anselmo Borges, padre e professor de Filosofia, escreve sobre o destituição do teólogo Juan Masiá Clavel.
anselmo Borges, padre e professor de Filosofia, escreve sobre o destituição do teólogo Juan Masiá Clavel. O teólogo jesuíta Juan Masiá viveu 27 anos no Japão, onde foi director do Departamento de Bioética no Instituto de Ciências da Vida da Universidade Sofia e professor de antropologia na mesma universidade, da Companhia de Jesus, em Tóquio.
Especialista em bioética, foi chamado a Madrid em 2004 como director da cátedra de Bioética na Pontifícia Universidade Comillas. Em 20 de Janeiro de 2006, foi-lhe comunicado que abandonaria a direcção antes do fim do mês e que no termo do presente ano académico cessariam todos os seus serviços na universidade.
Em carta dirigida aos membros do Conselho da Cátedra, Masiá pede que “não culpem o reitor da universidade, José Ramón Busto, pois ele assumiu a humilhação de carregar sozinho com toda a responsabilidade de algo de que não tem culpa, poupando às autoridade eclesiásticas o mal-estar de darem a cara para responsabilizar-se”.
as fortes pressões de uma parte da hierarquia eclesiástica espanhola – fala-se nomeadamente nos cardeais Rouco, em Madrid, e Trujillo, em Roma – vinham em crescendo desde Outubro de 2004.como razões para a decisão são aduzidas as suas “tomadas de posição sobre alguns temas de bioética”. O livro Tertulias de Bioética, apesar de ter aparecido “com as devidas licenças” canónicas, terá sido decisivo. Entretanto, foi proibida a sua venda e reedição.
Masiá defende uma ética de interrogações, dialogante e criativa, tendo na base o respeito pela dignidade humana. Não se pode cair numa moral situacionista nem ficar em princípios abstractos que não têm em atenção os dados das ciências, a cultura democrática, a autonomia responsável e as pessoas concretas. “é necessário falar sem medo. Os cristãos têm de ser tratados como adultos e não como crianças. ” a moral deve ser uma bússola que indica o norte, mas “quem tem de caminhar és tu, mesmo que por vezes no escuro”. Há, por parte da Igreja, o risco de “intromissões inoportunas para ditar moralidade à sociedade civil”. Nos debates éticos, a Igreja não deve ser nem privilegiada nem excluída. E, por amor à Igreja, é preciso às vezes dissentir dentro da Igreja – não dissentir “da” Igreja, mas “na” Igreja.
Neste contexto, o preservativo “não devia sequer ser problema”. Pode usar-se “não só como prevenção de um contágio, mas também como anticonceptivo corrente, para evitar uma gravidez não desejada e evitar o aborto”. No caso de sida, é mesmo necessário.
Masiá situa-se entre extremismos. assim, se é um exagero “apoiar-se na biologia para justificar uma legislação permissiva sobre o aborto em fases avançadas da gestação (por exemplo, aos três meses)”, também se não pode deduzir dela “a presença de uma realidade pessoal em cada embrião antes da implantação no útero materno”.
é fundamental a distinção entre anticoncepção, intercepção, concepção e interrupção da gravidez. assim, a pílula do dia seguinte ou outros procedimentos a que se recorre, por exemplo, no caso de violação ou situação equivalente, “não são abortivos, mas interceptivos”.
Quando se não conhecia a fecundação do óvulo pelo espermatozóide, não se distinguia entre anticoncepção e aborto. agora, com os novos conhecimentos, impõe-se não só essa distinção, mas também o reconhecimento de “uma nova zona entre ambos” a intercepção ou interrupção do processo durante os primeiros dias, quando o óvulo fecundado está a caminho da implantação no seio materno.
Esta distinção é decisiva, pois abre a possibilidade da anticoncepção de emergência e da intervenção nos embriões no estádio pré-implantatório, tanto nos programas de fecundação in vitro como de diagnóstico antes da implantação e de investigação em células estaminais.
a procriação de um novo ser humano é processual. Mesmo o que se chama “momen- to da fecundação” é um processo que dura mais de 20 horas. Quando se pode então falar de pessoa humana? Parece razoável uma “posição prudencial”, que traça duas linhas de segurança nem antes dos 14 dias nem depois da oitava semana, quando o embrião se constitui em feto.
a clonagem reprodutiva não faz sentido. a possibilidade de clonagem com fins terapêuticos terá de ser enquadrada em leis estritas, para evitar, por exemplo, a comercialização. Juan Masiá tem em português a Sabedoria do Oriente, e esteve em Portugal para conferências nos colóquios “Igreja e Missão” e no congresso “Deus no século XXI e o futuro do cristianismo”, no seminário da Boa Nova, Valadares, e também na Universidade de Coimbra.
anselmo Borges | Diário de notícias