A atual pandemia “ampliou os impactos adversos de uma modificação constitucional de 2016 que limitou os gastos públicos no Brasil por 20 anos”, consideram Juan Pablo Bohoslavsky, especialista independente em direitos humanos e dívida externa, e Philip Alston, relator especial sobre pobreza extrema. Para ambos os especialistas em direitos humanos da ONU, “os efeitos são agora dramaticamente visíveis na crise atual”.
Em comunicado, os profissionais referem que apenas dez por cento dos municípios brasileiros possui camas de terapia intensiva, e que o Sistema Único de Saúde não tem nem metade da quantidade de camas hospitalares recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). “Os cortes de financiamento governamentais violaram os padrões internacionais de direitos humanos, inclusive na educação, residência, alimentação, água e saneamento e igualdade de género”, referem os especialistas, citados num comunicado do Alto Comissariado de Direitos Humanos.
Para os dois peritos o “sistema de saúde enfraquecido está sobrecarregado e a colocar em risco os direitos à vida e à saúde de milhões de brasileiros”. “Já é hora de revogar a Emenda Constitucional 95 e outras medidas de austeridade contrárias ao direito internacional e aos direitos humanos”, consideram os especialistas.
Os profissionais demonstram-se preocupados com a possibilidade de a política brasileira estar a “priorizar a economia sobre a vida das pessoas”. “Em 2018, pedimos ao Brasil que reconsiderasse o seu programa de austeridade económica e colocasse os direitos humanos no centro das suas políticas económicas (…) Também expressámos preocupações específicas sobre os mais atingidos, particularmente mulheres e crianças a viver em situação de pobreza, afrodescendentes, populações rurais e pessoas em acampamentos informais”, contam os responsáveis, que deixam diversos alertas.
“Não pode se permitir colocar em risco a saúde e a vida da população, inclusive dos trabalhadores da saúde, pelos interesses financeiros de uns poucos. (…) Quem será responsabilizado quando as pessoas morrerem por decisões políticas que vão contra a ciência e o aconselhamento médico especializado?”, questionam.
Os especialistas acreditam que o Brasil tenha feito diversos esforços louváveis, mas defendem que tal não basta. “Um rendimento básico de emergência, bem como a implementação das diretrizes de distanciamento social das autoridades subnacionais, são medidas de salvamento de vidas que são bem-vindas. No entanto, é preciso fazer mais”, advertem. Bohoslavsky adianta que numa “recente declaração e carta aos governos e instituições financeiras internacionais” forneceu “recomendações económicas, fiscais e tributárias concretas”.
Os especialistas pedem para que este seja um período de mudanças que beneficiem as populações. “A Covid-19 deve ser uma oportunidade para os Estados repensarem as suas prioridades, por exemplo, introduzindo e melhorando os sistemas universais de saúde e proteção social, bem como implementando reformas tributárias progressivas. (…) Os Estados de todo o mundo devem construir um futuro melhor para as suas populações, e não valas comuns”, apelam os peritos.