Esta é a noite em que muitos de nós gostaríamos de estar em Fátima. Esta é noite em que muitos de nós gostaríamos de procurar consolo aos pés de Maria. Esta é a noite em que nos habituámos a viver uma particular proximidade com Maria Santíssima. Mas esta é, também, a noite do Bom Pastor. A noite em que o Bom Pastor protegeu as suas ovelhas de um perigo. De uma ameaça. De uma inconsciência.
Esta é, também, a noite de uma Igreja viva. De uma fé que não se deixa abater. De uma vida pastoral que vai muito para além de um momento histórico, singular, em que a vida se pode ver ameaçada por um traiçoeiro micro-organismo. A mesma Igreja que luta pelo não ao aborto, pelo não à eutanásia, pelo não à pena de morte, só podia pedir às suas ovelhas que vivam esta noite e o dia de amanhã, 13 de Maio, num reforçado recato em Maria, na segurança sanitária das suas próprias casas. Esta mesma Igreja, filha de Maria – Maria, Mãe da Igreja – só podia recatar as suas ovelhas do perigo do lobo que tem rondado a vida nestes últimos meses.
Se a humanidade tem vivido nestes últimos meses uma experiência totalmente nova, o povo de Deus e a sua Igreja também têm vivido um tempo sem par na história da própria Igreja. O afastamento físico dos sacramentos. A Páscoa sem a alegria partilhada e celebrada em povo de Deus. A ressurreição de Cristo sem a partilha da comunhão eucarística, deram à Igreja uma vivência marcante.
Mas a Igreja é testemunha de um Deus vivo. De um Deus que é Pai de vida, fonte de toda a salvação. Esta Igreja só tinha um caminho. O caminho do Santo Padre. O caminho da solidão pascal. O caminho de quem se abandona a si próprio por amor, como Francisco fez, em tempo de Páscoa.
Não importa quem tenha vivido na inconsciência de um 1º de Maio. Não importa quem gozou de uma excepção, porque verdadeiramente quem goza a verdadeira liberdade de escolher – e não de ser excepcionado – é quem vive plenamente uma singular fé. A fé em Cristo, que é a forma mais absoluta de liberdade. O Bom Pastor é Francisco. O Bom Pastor são os bispos que salvaguardaram a vida das suas ovelhas.
A Igreja viva é aquela que sabe reforçar a esperança na sede de Deus. A sede premonitória de que falava o cardeal José Tolentino ao Santo Padre. A sede que todos nós experimentamos nestes tempos de reclusão física. “Beber da própria sede”.
O Bom Pastor é aquele que na noite escura e perigosa sabe deixar viva a Luz que conduzirá as suas ovelhas a casa, mal cesse o perigo. Junho tem o Santíssimo Corpo de Deus. Nesse dia, façamo-lo no nosso íntimo a grande festa do reencontro das ovelhas com o seu pastor paroquial, com o seu pastor diocesano, no retorno seguro a casa. Assim esperamos esse dia, na graça de Deus.
Vivamo-lo, o Dia do Corpo de Deus, como a grande e deferida alegria pelo triunfo de Deus sobre a morte. Da vida sobre o perigo traiçoeiro que tantas vidas ceifou. A Igreja foi a mais resoluta aliada das autoridades, das autoridades de saúde e dos profissionais de saúde e a par do civismo de todos nós. Com isso, a Igreja foi fiel aos ensinamentos de Cristo. Com isso, a Igreja ficou mais próxima do seu povo. Com isso, os pastores diocesanos são-no mais do que nunca. Nada mais importa. Virão Páscoas. Virão maios. E permanece a nossa vida e com ela a nossa fé em Cristo. Há maio mais belo que isto para um cristão? Há Maria mais Mãe que o silêncio de Fátima por amor?
Não há alamedas de Maio que valham uma só lágrima, que seja, por não se viver Fátima na presença física de sempre. Não há sussurros, na Igreja, que mereçam ser escutados quando nos esquecemos do verdadeiro amor de Cristo. O Cristo que reina. O Cristo que vence. O Cristo que impera nos corações dos homens e das mulheres de boa vontade. Esta noite é Fátima nas janelas de Portugal.