Jaime Patias
Jaime C. Patias – Missionário da Consolata - Conselheiro Geral

Sempre foi mais fácil atribuir os problemas da sociedade a questões morais e ao fatalismo, do que usar a capacidade de raciocínio e a inteligência para conhecer as verdadeiras causas das mazelas sociais, como a desigualdade, injustiças, violência e os mecanismos de manipulação das mentes e corações. O moralismo é uma forma de dominação legalista, e fundamentalista, que já foi desmascarado por Jesus Cristo nos seus confrontos com os escribas e fariseus (ver os Evangelhos).

Para adquirir a capacidade de entender a realidade que nos rodeia, e de certa forma nos domina, é preciso despertar a consciência crítica superando a consciência ingénua, conforme nos ensina o mestre Paulo Freire. Não importa o grau de escolaridade ou académico. Todos têm condições de alcançar essa autonomia emancipadora e libertadora para não se deixar manipular e alienar por aproveitadores. A palavra-chave é “consciência”.

É graças à consciência que o ser humano pode conhecer e entender a realidade em que vive. Através dela conhecemos o meio social e histórico que nos rodeia e nos faz humanos. “Quanto mais o ser humano refletir sobre a realidade, sobre a sua situação concreta, mais emerge plenamente consciente, comprometido, pronto a intervir na realidade para mudá-la” (Freire, P. Conscientização: teoria e prática da libertação, 1980, p. 25).

Consciência ingénua

Por outro lado, há também a consciência ingénua, que enfraquece e limita o potencial humano de pensar criticamente. É uma condição superficial e pobre. Não voa, apenas consegue rastejar. Paulo Freire explica que, ao contrário da consciência crítica, a consciência ingénua se caracteriza pelo comodismo e conformidade passiva com a realidade, com o sistema, como se tudo fosse imutável, estático. O indivíduo torna-se presa fácil dos manipuladores e detentores do poder dominante num sistema que se apresenta complexo. A pessoa ingénua (alienada) não só aceita a dominação, mas defende cegamente seus algozes e passa a trabalhar para manter a sua própria submissão.

Com o advento da internet e das mídias digitais, esse processo de manipulação das consciências ingénuas intensificou-se. Tornou-se comum o uso dos “bots” (da palavra “robot” = robô), aplicações autónomas que rodam na internet com algum tipo de tarefa pré-determinada. É bom esclarecer que existem tanto “bots” positivos, legítimos, que prestam serviços úteis e legais, quanto “bots” usados em crimes ou ações que manipulam e causam prejuízos. Temos vários exemplos disso no Brasil e no cenário mundial. Numa espécie de vale-tudo, esses robôs dos porões da internet estão a ser usados para manipular consciências ingénuas (e não só) com perfis falsos, fake news (notícias falsas) e distorções da realidade. Vendem ilusões e fabricam uma realidade falsificada que é aceite pela consciência ingénua.

Antes, o poder dominante utilizava-se dos meios de comunicação de massa para manipular. Com o avanço das tecnologias de informação, hoje usa os meios digitais.

Isso funciona porque a consciência ingénua se manifesta de maneira simples, não consegue perceber nem verificar a autenticidade da mensagem. Não questiona e não procura investigar a causa dos fatos. Prefere confiar em seu guru (espécie de mito). O indivíduo de consciência ingénua contempla a natureza de forma estática ou pronta e logo passa adiante qualquer coisa que recebe sem se importar com as consequências para si ou para a sociedade. Essa espécie de fanatismo é terreno fértil para o fundamentalismo e as milícias religiosas. Não adianta discutir com pessoas de consciência ingénua. Ela dificilmente muda.

Esperança

O que nos dá esperança é saber comprovadamente que essa consciência ingénua da realidade pode ser educada para uma consciência crítica.

Por natureza, tudo está interligado. O ser humano é interdependente do meio em que vive, com capacidade de modificá-lo e ser modificado por ele. Contudo, isso somente acontece mediante a capacidade de superar o pensamento passivo ingénuo educando para o pensamento crítico. Existem métodos e meios para isso.

Mais uma vez, a lucidez de Paulo Freire nos ilumina: “É o olhar mais crítico possível da realidade, que a ‘desvela’ para conhecê-la e para conhecer os mitos que enganam e que ajudam a manter a realidade da estrutura dominante”.

Eis uma chave de leitura sempre atualizada para enfrentar tempos sombrios nos quais somos, continuamente, confrontados pelo negacionismo, obscurantismo, moralismo e o fundamentalismo político e religioso.