A pandemia parece levar-nos à loucura. Mais ela dura, e maiores e mais visíveis são os sinais de exaustão no rosto das pessoas. A salvação parece estar numa vacina que nunca mais chega, numa vacina que se deseja para todos, em simultâneo, mas que um grupo de países ricos controla – tendo já reservado para si metade da sua produção. Mas estará mesmo numa vacina o nosso “way out”?
Sucedem-se em paralelo às medidas da OMS e DGS outras tantas opiniões sobre como responder e gerir a crise sanitária. Ao debate nos mais variados ambientes junta-se, como exemplo, a posição tomada por países que nunca acataram agir como a grande maioria dos Estados. A quem a história irá dar razão permanecerá por algum tempo uma incógnita. Entretanto, os surtos, as vagas, os óbitos, os infetados, os curados sucedem-se, entrando em nossas casas, doentiamente, dia após dia. Mas há uma questão, bem para lá da salvação da vacina, nascida de uma reflexão sobre a discrepância nos comportamentos adotados por uns e outros, e da exaustão que faz emergir e agravar, em muitos casos, a doença mental, que julgo fundamental tornar consciente, pois me parece estar na génese de um generalizado mal-estar.
Vivemos à defesa. Foi sempre essa a educação recebida, desde o ventre materno. A própria ideia de comunidade nasce de uma fundamental preocupação que tem atravessado todos os tempos: a “imunidade”, ligada à segurança, à proteção, à própria ideia de paz e de felicidade. Conquistas cientifico-tecnológicas têm tido sempre no seu horizonte vergar, imobilizar, e por fim vencer todo o tipo de ameaça à nossa segurança, tornando o seu humano resistente, imune ao tempo e espaço.
Neste quadro, o que a pandemia atual traz à luz do dia não é apenas a fragilidade, a mortalidade que nos são ainda próprias, mas a resistência, a defesa, o isolamento, o distanciamento, o confinamento. É por estas que este desejo de total imunidade se tem afirmado e tornado visível. E é precisamente nele, contrariando de forma paradoxal inúmeras teses, que a exaustão e a loucura são cada vez mais visíveis e reais no nosso dia-a-dia. Na defesa, na resistência, na ausência de todo o tipo de contacto, não encontramos apenas o surgimento de uma situação clínica grave que afeta atualmente todos, mas muito provavelmente a negação de uma “vulnerabilidade” que é nossa condição e que, por isso, se afigura sempre mais como sendo a “chave” de uma sossegada, tranquila e alegre existência.
Evitar o precipício, ser-lhe imune, como se este de facto fosse o “abismo” que ameaça, a toda a hora, o nosso viver, é o que vemos acontecer em todo o lado. Mas tal como a criança que deseja aprender a nadar e a deixar de ter medo da água, da sua profundidade, não tem outra forma de o fazer senão abraçar a água, também a humanidade, nos nossos dias e sempre, terá de ser capaz de romper com todas as “seguradoras”, expondo a vida-frágil à “fragilidade” que lhe é própria, tornando-a seu caminho, pois parece ser cada vez mais certo que não é na imunidade que está a nossa segurança, a cura para a loucura e a exaustão do momento presente e futuro, assim como a sustentabilidade do planeta que habitamos, mas no encontro e cooperação entre infinitas e corajosas vulnerabilidades.