Houve um homem na história da humanidade que ficou conhecido por muito do que disse e fez: Jesus Cristo. A sua missão foi marcada por atos e palavras que chocaram muitos, criaram admiração em muitos mais e converteram alguns. Entre os atos que mais escândalo e oposição causaram foram o deixar-Se tocar por certas pessoas consideradas amaldiçoadas por Deus, na perspetiva dos líderes religiosos do Seu tempo, ou porque tinham alguma doença, ou porque eram “pecadores”, ou porque eram membros de grupos étnico-religiosos (como Samaritanos e Cananeus) ou de países diferentes, entre outros.
Com este deixar-se “tocar”, Jesus tornava-se um “amaldiçoado” porque, precisamente, ficava contagiado pelo “pecado/maldição” de quem O tocava, sendo que o toque simbolizava muito mais do que um gesto físico: exprimia também igualdade, cumplicidade, amizade. Jesus tocava as pessoas para que sentissem precisamente o amor materno de Deus, um amor que vai para além de regras e tradições humanas, as quais muitas vezes são contraditórias na sua natureza porque não promovem a dignidade do ser humano, porque o condenam à infelicidade causada pela discriminação e intolerância. Jesus também tocava as pessoas, precisamente para lhes fazer ver que tinham valor e eram amadas por Deus, autor da vida e do amor. E para amar é necessário também o toque, que exprime afeto, pertença, partilha e cumplicidade.
Sabemos quanto é natural e necessário sentirmos o toque dos outros em todas as etapas da vida, começando pela infância, na qual o toque entre mãe e bebé, bem como com o pai e outros familiares, é de fundamental importância para o desenvolvimento pessoal a todos os níveis. Infelizmente, o tempo que vivemos atualmente veio não só parar e bloquear o mundo inteiro, como obrigar-nos a deixar de fazer muitas das coisas que são naturais em nós, seres humanos, seres de relação física, emocional e espiritual, começando pelo toque de um beijo, de um abraço, da proximidade nas conversas ou à mesa, entre outras tantas formas de comunicar através do toque: somos seres onde a dimensão física e a emotiva se fundem uma na outra.
Claro, cada cultura vive este e outros elementos da relação pessoal e comunitária de maneiras diferentes, precisamente porque são diferentes, apesar de que esta verdade vá perdendo razão com o progredir do fenómeno da globalização. Um exemplo: na Coreia do Sul, país onde trabalhei vários anos, houve um ano em que virou moda uma iniciativa do foro social, chamada “Free Hugs” (abraços grátis). Estes eram oferecidos sobretudo por jovens anónimos, nas ruas de vilas e cidades com maior concentração de pessoas. Num país onde algumas tradições vão conseguindo resistir à “onda global”, destaca-se a questão do toque entre pessoas: tal como noutros países orientais, este é só permitido entre pessoas com laços familiares ou de amizade/amor, alguns restringidos ao lar, outros a locais públicos, mas sempre entre conhecidos. A campanha foi, inicialmente, recebida com estranheza e uma certa relutância, por ser, ao mesmo tempo importada e por envolver contacto físico entre estranhos. Isto fez com que, apesar dos esforços dos entusiastas pela mudança de comportamentos na sociedade, a campanha acabasse por ter uma vida breve.
O amor não mata
Por causa desta pandemia, fomos obrigados a diminuir ou a cortar o contacto físico, sendo mais difícil com os nossos familiares e amigos, o que torna ainda mais dolorosa a forçosa aceitação desta nova situação social. Mais: as máscaras deixaram de nos ver o sorriso e outras expressões faciais dos outros, todas elas forma de comunicação a que estávamos mais do que habituados. Como tal, tivemos que redescobrir a capacidade que temos de nos adaptar às mudanças que a vida ocasionalmente nos apresenta, incluindo sorrir com os olhos! Diz o velho ditado que “quem vê olhos não vê corações”, mas nestes tempos que correm somos obrigados a comunicar de outras formas. Ao mesmo tampo, a pandemia veio recordar-nos a importância de muitos gestos que fazemos vezes sem conta e… sem nos darmos conta do quão importantes eles são no manifestar sentimentos e vontades. Se antes conseguíamos também “matar alguém com o olhar”, aprendamos a sorrir com ele, aprendamos a dar mais valor ao que sempre demos por descontado, começando pelos que amamos, pela saúde, pelo uso do tempo e outras prioridades que, eventualmente, teremos que colocar ou tirar da nossa lista das mesmas.
Toquemos a vida e na vida dos que nos são importantes com a renovação da amizade que nos une a eles, valorizando cada vez mais a sua presença em nossas vidas com olhares sorridentes e outras expressões de afeto e amor, porque, ao contrário deste e de tantos outros vírus, o amor não mata: ele é vida e dá vida, recria-a tornando-a mais bela, mais profunda e significativa, mesmo em tempos tão difíceis e incertos como este, recordando uma máxima que nos pode e deve ajudar a sairmos da pandemia o mais rápido possível: “faz aos outros o que queres que te façam a ti.”