O Dia dos Finados (Mortos) ou Dia dos Fiéis Defuntos é uma das mais importantes celebrações sociais e religiosas relacionadas com a família: esta verdade é comprovada pelo facto de que, em muitos países, incluindo vários de tradição não-católica, a recordação e celebração dos mortos faz parte das manifestações afetivas mais intensas e obrigatórias, no sentido em que a dimensão do além, do depois-da-morte é de fundamental importância na procura do sentido para a vida.
Como missionário que fui na Coreia do Sul, recordo com afeto e saudade as celebrações anuais do “Solal” (Ano Novo, segundo o calendário chinês) e o “Chusok” (Festa das colheitas): em ambas, a visita aos túmulos da família (nas zonas rurais) ou aos cemitérios (nas zonas urbanas) faz parte destas duas celebrações, porque têm a ver com a vida e o sentido do ser família. A Igreja Católica incluiu este rito, considerado idolatria pelos Protestantes, na sua liturgia, de modo a mostrar o seu apreço por este rito tão emblemático e precioso da cultura coreana.
Também para nós, portugueses, este dia tem um significado muito especial, porque acreditamos na Ressurreição (se bem que de forma “tradicional”), daí a “revolta” de muitos com a proibição das deslocações entre concelhos para o fim de semana dos Santos e Fiéis Defuntos. Celebrar os que já partiram é algo que fazemos regularmente durante o ano, quer na Eucaristia, quer nas visitas ao cemitério, e fazemo-lo precisamente porque acreditamos que a morte é somente uma “passagem”.
Sendo esta uma data significativa, acredito ser importante pararmos um pouco e refletir não tanto sobre a morte, mas sobre o modo como estamos vivendo a vida, até porque só temos uma neste mundo e não sabemos quando, também nós, o iremos deixar. Para ajudar nesta reflexão, partilho um texto do Papa Francisco que encontrei há dias. Pode parecer um pouco “frio e cru”, mas é muito pertinente e incisivo, pelo menos para mim: “O ser humano é estranho: discute com os vivos e leva flores aos mortos; atira os vivos à sarjeta e pede um bom lugar para os mortos; afasta-se dos vivos e, quando estes morrem, agarra-se desesperado a eles; fica anos sem falar com um vivo e, quando este morre, desculpa-se e presta-lhe homenagem; não tem tempo para ir visitar um vivo, mas tem o dia todo para ir ao seu velório; critica um vivo, fala mal dele, ofende-o, mas quando este morre, santifica-o; não liga, não abraça, não se importa com os vivos, mas quando eles morrem, autoflagela-se… Aos olhos cegos do ser humano, o valor do vivo está na sua morte e não na sua vida. É bom repensarmos isto, enquanto estamos vivos”.
Estando agora eu mais perto de casa, alguém me dizia, quando soube que eu vinha para a comunidade da Consolata em Águas Santas: “Padre Álvaro, aproveite bem os seus pais e família enquanto estão cá.” Sim, essa pessoa já não tem os pais com ela e, obviamente, deu-me este conselho com profundo reconhecimento do valor dos pais e, claro, com imensas saudades.
Quando celebro um serviço fúnebre, costumo dizer que seria bom que todos chorássemos por uma só razão: partiu deste mundo alguém que amamos, que é importante para nós, que nos ajudou a ser quem somos, que faz parte do nosso projeto pessoal de felicidade, que jamais esqueceremos. Porém, há pessoas que choram por uma segunda razão: remorsos. Remorsos porque, a partir daquele momento, não haverá mais tempo nem oportunidade para voltar a estar com o defunto/a, de falar com ele/a, de lhe dizer tanta coisa que ficou por dizer… Se choramos por uma razão só, então é grande o sentimento de gratidão por quem partiu; se choramos por duas razões, é grande o sentimento de frustração e dor, porque não conseguiremos ser totalmente felizes no hoje, nem no amanhã da vida.