O período difícil que a humanidade atravessa neste momento histórico, marcado pela pandemia de Covid-19, constitui um desafio para toda “a família desta aldeia global”. Porém, não é a primeira vez, e certamente não será a última, que a humanidade é confrontada com um desafio desta envergadura, se bem que, no contexto de um mundo cada vez mais interligado e interdependente, os efeitos sejam bem mais globais do que noutros períodos históricos. De facto, jamais uma tragédia ou pandemia teve um impacto tão brutal como esta, a nível de raio de ação, pois bloqueou o mundo praticamente de um dia para o outro, não obstante a letalidade em nada se compare com outras tragédias do passado. Por ter efeitos diretos ou indiretos, com mais ou menos impacto nos vários setores sociais, sobretudo no económico, esta pandemia veio levantar muitas questões sobre o modo como vivemos a vida, em especial a nossa relação com a natureza e uns com os outros, desde as relações familiares, passando pelas profissionais e de outros níveis, até chegar às relações entre países. E as vacinas ainda não começaram a ser vendidas e distribuídas…
Entre as muitas questões que têm sido matéria de reflexão a vários níveis e em vários meios de comunicação, sobretudo nas redes sociais, está, no meu ver, a necessidade de uma revisão das prioridades, começando pelas pessoais, passando às dos muitos setores sociais, incluindo os religiosos. E isto porquê? Porque, como dizia alguém, “as coisas não poderão voltar a ser como dantes” ou “nunca mais voltaremos ao normal que tínhamos até à chegada da Covid”. Como tal, acredito na necessidade de uma revisão, voluntária ou forçada, das prioridades, se bem que, ao contrário do que diziam muitos nos primeiros meses da pandemia, o ser humano irá aprender muito pouco com a ela. E é precisamente o que está a acontecer, porque se o contrário fosse verdade, teríamos menos violência, corrupção e outros males sociais dentro dos diversos níveis e setores de relação humana.
Há dias, li algo que me deixou sem palavras e furioso, se bem que não me surpreendeu de todo, pois esta atitude é comum desde os tempos mais remotos da humanidade: haver sempre alguém que tire proveito, de forma desumana, insensível e perversa, da desgraça dos outros. Na edição online do DN do passado dia 11 de novembro, vinha uma notícia com o título “Turistas estão a comprar resultados falsos de testes à Covid para viajar.” Esta prática é já comum em vários países, no mercado negro, sendo o Brasil, a França e o Reino Unido aqueles onde a prática é mais acentuada. Confesso que senti uma revolta muito grande ao ler esta notícia, por saber o quão duro e desalmado é, por exemplo, um funeral Covid, pois celebrei alguns enquanto pároco de duas paróquias do arciprestado da Figueira da Foz.
É muito triste, sem dúvida, e faz pensar em muitos outros efeitos negativos causados pela falta de respeito pelo valor e dignidade humana. Também devemos aproveitar esta situação de pandemia para parar um pouco e pensar, por exemplo, na nossa própria lista de prioridades. Neste contexto, veio-me à mente um pensamento do Dalai Lama que, de certo modo, nos faz ver que a forma de vivermos a vida e a relação com os outros e as coisas nem sempre respeita as prioridades fundamentais da vida: “as pessoas perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem o dinheiro para recuperar a saúde. E por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem-se do presente, de forma que acabam por não viver nem no presente nem no futuro. E vivem como se nunca fossem morrer… e morrem como se nunca tivessem vivido.”
Acredito que, apesar da humanidade ser e agir muitas vezes de forma desumana, seguirá, na sua grande maioria, sendo capaz de ser idêntica a si mesma, porque foi criada pelo amor, com amor e para o amor… e toca a cada um de nós não só acreditar nisto, mas pô-lo em prática, sobretudo os frutos da solidariedade, empatia, esperança e consolação.