É inevitável continuar a falar desta pandemia que estamos a viver, sem saber até quando. Há dias, li um artigo que me deixou bastante preocupado, se bem que sobre o tema em questão já tenha ouvido, na primeira pessoa, vários relatos: os efeitos da pandemia na saúde mental. Os relatos de que falo são de funcionárias de centros de dia que, a partir do início da pandemia, deixaram de receber os idosos. Quando estava ainda na Figueira da Foz, como responsável de duas paróquias, era regularmente atualizado sobre o estado de saúde mental de vários idosos dos três centros de dia e um lar paroquiais de que era presidente, por inerência de cargo. Esta questão não é somente um problema de lares e de idosos obrigados a estar em casa, mas afetou e afeta também muitas famílias que, de um momento para o outro, foram obrigadas a um confinamento que jamais tínhamos imaginado ser possível e necessário. É sabido que há vários problemas do foro psicológico relacionados com o isolamento, mais ainda quando forçado e de forma repentina.
O artigo que li, tirado da revista científica da Ordem dos Médicos online, dizia, entre outras coisas, que “a quarentena pode originar uma constelação de problemas psicopatológicos, designadamente humor deprimido, irritabilidade, ansiedade, medo, raiva, insónia, etc. Além disso, identificaram-se consequências a longo prazo para a saúde mental. […] Para além do stress associado ao receio de contrair a doença, existem ainda outros fatores que aumentam a vulnerabilidade psicológica das pessoas em quarentena. Refiro-me às dificuldades económicas decorrentes desta pandemia, nomeadamente ao risco do aumento do desemprego que está associado a um agravamento da saúde mental da população”.
Pois bem, este artigo foi escrito pouco depois do início do confinamento total de março e abril, quando as consequências mentais do mesmo começaram a fazer-se notar, incluindo pais desesperados por causa da mistura de teletrabalho, da telescola dos filhos, do estarem juntos 24 horas por dia, durante dias a fio.
Estamos ainda imersos nesta pandemia que veio transtornar e transformar o mundo, criando ainda mais “caos” social, económico e, neste caso, mental, porque havia uma “normalidade” antes de março que se perdeu… e esta perda mexeu profundamente com o nosso sistema, sobretudo socio-afetivo. Sim, porque, como seres humanos, somos seres de relações: em primeiro lugar, relações afetivas de proximidade e pertença com quem amamos, “peças fundamentais do puzzle” da nossa saúde mental, que inclui o toque nas suas mais variadas formas, em especial nos beijos e abraços que muita falta nos fazem. Em segundo lugar, somos seres de relação socioeconómica, a qual foi e continua a ser severamente afetada. Em terceiro lugar, e falando como crente, somos seres de relações de fé no seio do grupo religioso a que pertencemos; a dimensão espiritual também ficou muito abalada, e a verdade é que paira no ar uma incerteza sobre como, no nosso caso, a Igreja sairá desta pandemia: certamente, não poderá ser tal e qual o que era e como era dantes, pois há muitas lições a tirar desta pandemia, lições que são transversais a todas as esferas da nossa existência.
Na vivência deste Advento que apenas começou, creio ser necessário termos e praticarmos, entre outras, duas atitudes fundamentais: a vigilância e a perseverança. O “estar vigilantes” deve nascer da nossa consciência de que somos frágeis e finitos: estamos nesse mundo “de passagem” e, não sabendo até quando, cada dia deve ser vivido com intensidade, sobretudo na partilha do que somos e temos de melhor. Quanto à perseverança, creio ser essencial renovarmos o nosso compromisso de amizade para com quem nos é importante, incluindo Deus, pois ela cura muitos outros vírus, incluindo os que atacam e minam a harmonia afetiva, psicológica e espiritual.