Nos últimos anos o panorama literário sobre o fenómeno migratório tem sido profusamente enriquecido com um conjunto expressivo de obras de autores nacionais ou lusodescendentes residentes no estrangeiro, que através do mundo dos livros têm dado um importante contributo para o conhecimento de múltiplas dimensões da realidade emigratória portuguesa.
Neste panorama literário, destacam-se cada vez mais obras escritas por autoras que vivem nas comunidades portuguesas, e que têm tido o condão de aclarar o papel das mulheres no seio da emigração. Um dos lados, como refere a reputada investigadora no domínio da História das mulheres e do género, Irene Vaquinhas, “menos conhecido e estudado do fenómeno migratório”.
Enquadra-se neste contexto, por exemplo, o livro em forma de contos “Correr Mundo – Dez mulheres, dez histórias de emigração”, lançado com a chancela da Oxalá Editora em março do ano que agora finda, no âmbito do Dia Internacional da Mulher. A obra, onde são abordadas a “saudade da infância e das origens, da língua, da família, as questões da identidade e do desenraizamento, a desvalorização dos emigrantes no país de acolhimento pela natureza do seu trabalho, as dificuldades de adaptação, as viagens até ao país de acolhimento”, é assinada por Irene Marques, professora de Literatura e Escrita Criativa nas Universidades de Toronto e Ryerson, no Canadá, que em 2019 arrecadou o Prémio Ferreira de Castro; Paula de Lemos, investigadora de Literatura Comparada na Universidade de Trier, na Alemanha, e detentora do Prémio Manuel Teixeira Gomes 2002; Luísa Costa Hölzl, tradutora, poetisa e professora de Língua Portuguesa da Universidade de Munique, na Alemanha; Luísa Semedo, doutorada em Filosofia e Conselheira das Comunidades Portuguesas eleita em França, que em 2017 ganhou o Prémio Literário e de Ilustração Eça de Queiroz; Gabriela Ruivo Trindade, formada em Psicologia e a viver em Londres, vencedora do Prémio LeYa em 2013; Maria João Dodman, doutorada em Literatura pela Universidade de Toronto e professora na York University, no Canadá; São Gonçalves, escritora e poetisa que reside no Luxemburgo; Luz Marina Kratt, escritora e jornalista que vive entre a Suíça e a Áustria; Helena Araújo, blogger e escritora residente em Berlim, na Alemanha; e Altina Ribeiro, conhecida escritora da comunidade portuguesa em França.
Na mesma data comemorativa, as pintoras Maria João Sousa, Gracinda da Rocha e Cândida Martins, em conjunto com a poetisa Deolinda Xavier Cabo, há vários anos radicadas na comunidade portuguesa do Quebeque, Canadá, lançaram o livro “Mãos de Mulher”. Uma obra onde se entrelaça a pintura e a poesia, e que nas palavras do prefaciador Manuel Carvalho, patenteia “retalhos do torrão natal nunca esquecido e do novo mundo que as acolheu, numa mescla aparentemente dispersa mas que uma leitura mais atenta nos faz vislumbrar o significado, por vezes sinuosos, e tantas vezes dolorido, destes percursos existenciais, a fluir entre o onírico e o real, na busca incessante da felicidade e do sentido da caminhada humana”.
Ainda na esteira literária sobre o fenómeno migratório, Isabel Mateus, escritora estabelecida no Reino Unido, lançou em meados deste ano a obra “Anna, A Brasileirinha de São Paulo” que mergulha na epopeia da emigração portuguesa para o Brasil. Segundo a consagrada socióloga das Migrações, Maria Beatriz Rocha-Trindade, neste livro a autora “oriunda de Trás-os-Montes, uma das regiões mais afetadas pela saída dos que procuraram melhorar vida fora do país, conseguiu, através da sua escrita, reconstituir o cenário em que se deslocou uma família, excelente paradigma dos que no início do século XX, deixando aldeias perdidas do interior, atravessaram o Atlântico tentando atingir o sonho que o relato de muitos conterrâneos tinha ajudado a construir”.
Estes exemplos de olhares literários femininos, e outros que foram apresentados ou se encontrem porventura no prelo, representam um relevante contributo para o conhecimento da emigração portuguesa. Um fenómeno complexo, que nas palavras abalizadas do saudoso pensador Eduardo Loureço, nos “põe em causa, a diversos níveis, de maneira indireta, a imagem de nós mesmos mas por isso deve ser apreendida na sua verdade, de maneira adulta e não servir de pretexto como serve a muita gente, a fantasmas coletivos, uns positivos outros negativos, que têm pouco a ver com ela”.