Álvaro Pacheco – Missionário da Consolata

A palavra “graça” aparece associada à presença de Deus numa pessoa, a qual tem com Deus uma relação muito especial. O episódio da apresentação do Menino Jesus no templo termina assim: “Entretanto, o menino crescia e robustecia-se, enchendo-se de sabedoria, e a graça de Deus estava com ele. (Mateus 2:40). Na visitação do anjo Gabriel a Maria, ele diz-lhe que ela é “a cheia de graça.” E como podemos entender esta “graça” que vem de Deus, permanece no coração de quem a recebe e atua na sua vida? Pessoalmente, gosto de associar à palavra “graça” a duas outras palavras: Espírito Santo e bênção.

O Espírito Santo é o Amor de Deus em ação na pessoa que o recebe. Por outras palavras, a graça de Deus é a força inspiradora do bem, que nos incentiva a praticar os frutos do amor. Daí que o seu contrário é o espírito do mal, fazendo de quem o leva no coração um desgraçado. Costumamos dizer que alguém caiu em desgraça precisamente quando essa pessoa deixa de ter em si o Espírito de Deus; a desgraça vem pelo pecado, pela escolha que um faz do mal ou, como no caso desta pandemia que ainda convive connosco, por fatores externos ao ser humano. A segunda palavra, bênção, tem a ver com o querer o bem do outro de forma ativa e criativa, ou seja, quando abençoo alguém, peço para ele ou ela a graça de Deus, o seu bem e felicidade, comprometendo-me a ser eu próprio parte dessa graça. Por isso, abençoar significa fazer de tudo para que o outro seja feliz; recordo, com saudade, os meus padrinhos e alguns tios-avós a quem eu costumava pedir a bênção, ao que respondiam com um “Deus te abençoe”! E em quem é que eu encontrava Deus? Na pessoa deles, porque estiveram sempre presentes no meu crescimento humano e cristão. Porém, vemos que se vai perdendo, pouco a pouco, o sentido profundo dos sacramentos e de outros elementos da nossa tradição e fé católicas.

Neste contexto, acho que muitos sacerdotes se esquecem de fazer catequese na Eucaristia, formando sobre os vários elementos da nossa teologia. Aliás, esta é uma das razões pelas quais várias seitas e grupos cristãos conseguem “roubar-nos” membros, se bem que os métodos que usam para catequizar sejam bastante questionáveis; de qualquer modo, a verdade é que a nossa Igreja sempre teve dificuldade em acompanhar o evoluir dos tempos e mentalidades, bem como de ajudar as pessoas a possuir um conhecimento razoável sobre a Bíblia, sobre a teologia e outros elementos fundamentais da nossa fé. Até as orações mais populares são muitas vezes feitas sem conhecimento profundo do significado do seu conteúdo. Reza-se como se aprendeu na catequese e pouco mais.

Porém, também é verdade que há mais leigos empenhados e ativos nas várias pastorais paroquiais e diocesanas, bem como noutros âmbitos pastorais, precisamente porque se investe mais em formação. Recordo o retiro que orientei no passado dia 8 de dezembro a um pequeno grupo de Solidários da Consolata. Fiquei maravilhado com a partilha feita no fim, pois vê-se que temos gente que procura ir mais a fundo na compreensão e motivações da fé. Tal como ninguém nasce ensinado, também ninguém nasce com todas as bênçãos necessárias para ser feliz: estas vão-se adquirindo à medida que os anos passam, com a prática dos valores do Evangelho, com formação e muita partilha. Sempre acreditei que a partilha é o que nos torna mais ricos, incluindo no âmbito da fé; muitas pessoas pensam que só os padres, freiras e outros que estudaram teologia é que sabem sobre Deus; muito pelo contrário, nós também vamos aprendendo com tanta gente que de teologia nada percebe, exceto a teologia da vida prática do dia-a-dia, a mesma que muitos padres e outros estudiosos esquecem ou desconhecem. Costumo dizer que tenho vindo a aprender muito com os “livros dos diálogos partilhados” à volta de uma mesa ou numa sala onde são trocadas impressões e experiências de vida, de fé, de humanismo. Que este 2021 seja um ano cheio de graça, sendo nós, em primeiro lugar, uma graça para outros.