O início do novo ano é motivo de especial alegria para José Matias, missionário da Consolata que no primeiro mês de 2021 celebrou 50 anos de ordenação sacerdotal. Aos 76 anos, José Matias recorda como tudo começou. “Ia para o campo com um rebanho de cabras com o meu irmão Abílio, quando um padre missionário da Consolata, vestido de batina preta, parou perto de nós, de moto, e perguntou se queríamos ir para o seminário”.
O ‘sim’ dos irmãos não se fez tardar. Entraram para o Seminário da Consolata, em Fátima, em 1956. José Matias tinha 11 anos. “O Abílio já era um ‘chefe’ e eu apoiava-me muito nele. Sentia saudades dos pais e dos outros três irmãos, mas eu também gostava de jogar à bola, de ouvir as experiências dos missionários, dos livrinhos de histórias que eles escreviam. Isso ajudou-me a querer ser também missionário da Consolata”, recorda.
José Matias agradece a “todos os missionários” que o acompanharam e que o incentivaram a prosseguir a sua vocação. “Quando terminei o 7.º ano em Fátima, o meu irmão Abílio deixou o seminário, seguindo outro caminho. Custou-me muito a sua saída. Eu segui para Itália, para o noviciado, em Bedizzole, província de Brescia. Foi um ano maravilhoso. Eramos 29 noviços de oito nacionalidades. Uma riqueza”, que envolveu a aprendizagem do idioma, o que se revelou “uma boa iniciação para começar a aprender várias línguas”, destaca.
“Uma situação caricata”
Concluído o noviciado, seguiu-se 1.º ano de Filosofia em Rosignano Monferrato, na região do Piemonte. “Foi mais um ano maravilhoso mesmo que tenha sido o lugar onde rapei mais frio em toda a minha vida. Eram dois a três meses debaixo de neve. Para aquecer jogava futebol com alguns dos meus colegas. O 2.º ano de Filosofia frequentei-o em Fátima, no Seminário dos Dominicanos e ao mesmo tempo confiaram-me a tarefa de assistente de uma turma do 4.º ano do Seminário da Consolata. Os estudos teológicos tiveram lugar em Turim”, cidade onde afirma ter vivido “uma situação um pouco caricata”.
“Eu gostava de natação. Frequentava a miúde a piscina comunal de Turim. Aí havia olheiros como no futebol. Ao verem-me nadar fizeram-me a proposta para integrar numa coletividade da cidade. Ainda cheguei a participar numa competição tendo conseguido o segundo prémio que fui receber no Estádio da Juventus. Estive quase a ser contratado. Nunca disse nada a ninguém até aos dias de hoje. Deus ajudou-me a resistir a essa tentação”, conta.
Ordenação coberta por um manto de neve
José Matias foi ordenado a 3 de janeiro de 1971, um dia marcado pela neve. “Do Azinhal, aldeia onde nasci, até à Igreja Paroquial de Cardigos, onde fui ordenado sacerdote, as pessoas colocaram 26 lindos arcos a simbolizar os meus 26 anos. Foram feitos com muito carinho. Durante a celebração, a neve caía. Recordo que as mãos de Agostinho Moura, bispo de Portalegre que me ordenou, estavam roxas, tal era o frio. Mas a festa foi linda e o povo interpretou como bênção todo aquele manto branco. Cheguei à conclusão que Deus me estava a dizer que a minha vida sacerdotal missionária deveria ser uma contemplação de toda a beleza que Deus criou, das pessoas, criadas à Sua Imagem e Semelhança e da natureza. Esta ideia tem-me acompanhado ao longo de toda a minha vida”.
Partida para Moçambique
No último ano de estudos, e já sacerdote, o padre Matias tirou a carta de moto e esteve a “fazer missão num bairro nas periferias de Turim”, período que considera ter sido um “bom ano de treino missionário”. Em 1972 foi enviado para Moçambique. “Creio que foram os melhores anos da minha vida missionária. Lá vivi antes, durante e depois da independência do país”, passando por “tempos muito complicados”, que incluíram “guerra, perseguições à Igreja, nacionalizações das missões, escolas, igrejas”, enfrentando “estradas minadas” que travaram visitas às comunidades. “Andei nove meses a comer sem sal, sem pão”, recorda.
Perante os problemas inventaram-se “caminhos novos de evangelização”, criaram-se “laços de comunhão mais fortes”, aprendeu-se “a viver com o mínimo indispensável” e sentiu-se “o maravilhoso que é gastar a vida servindo o próximo”. “Aquela, foi uma experiência que me levou a agarrar o essencial e a desprender-me de tantas coisas que tinha. Toda esta situação ajudou-me a viver a vida religiosa de outro modo. Levar só o essencial, e o essencial era levar a Palavra, por vezes de motorizada, de bicicleta, porque o carro tinhas as peças partidas”, lembra.
Missão num bairro social
Depois de cerca de 14 anos em Moçambique, o padre José Matias trabalhou na formação de futuros missionários no Cacém, Águas Santas e em Madrid, fundou os Jovens Missionários da Consolata no Cacém e em Águas Santas e acompanhou os Leigos Missionários da Consolata. Atualmente, encontra-se em missão no bairro social do Zambujal, onde procura “pôr um pouco de luz em tantos problemas e angústias das pessoas”.
“O missionário que evangeliza nestes lugares, deve ser como um pai misericordioso que se aproxima do filho pródigo, que favorece o encontro, que abre as suas portas e sai delas para se encontrar com quem se afastou da Igreja ou que entrou pelo caminho da ‘globalização da indiferença’, do medo, da desconfiança, do individualismo”. Num “território cada vez mais descristianizado e caracterizado pelo pluralismo cultural e religioso”, o desafio é ser sinal de “diálogo”, ser testemunha de “consolação”, e “levá-la, sobretudo aos mais necessitados”.
Segundo o sacerdote, o desafio é ser também “estimulador de uma cultura de proximidade que anime os que estão sós, ter capacidade de empatia e solidariedade”. “Preocupa-me os problemas nas famílias desestruturadas com conflitos relacionais, as vítimas da violência doméstica e desventrada do seu papel natural de ‘formadora’ de valores. Creio ser também um desafio estar junto dos pobres, viver e conviver com eles, partilhando a sua vida e a sua história”, refere.
Balanço de uma vida missionária
O padre Matias afirma que a sua vida missionária “foi riquíssima”. “A vida missionária torna a pessoa feliz. Passei por muitas dificuldades, sobretudo, durante a guerra em Moçambique. Em alguns momentos tive a impressão de ter perdido ‘a estrela’ mas nunca baixei os braços. Se alguém se sentir atraído para a missão, não hesite. Procurei viver sempre a Missão como uma paixão por Deus e uma paixão pelo povo”.
Aos mais novos, o padre Matias deixa uma mensagem: “A vida missionária faz a pessoa feliz. Acabo de celebrar 50 anos ao serviço da Missão. É muito bom doar a vida servindo os irmãos. A vida vale enquanto é doada, enquanto é partilhada. Digo aos jovens que tenham coragem, que não tenham medo de sonhar coisas grandes. Com eles o mundo pode ser diferente”.