Quatro vivem no concelho de Leiria, os outros dois em Lisboa. Em comum, estes seis jovens, com idades entre os oito e os 21 anos, têm uma vontade imensa de fazer alguma coisa para ‘salvar’ o planeta das emissões de gases de efeito estufa – que têm vindo a bater recordes de ano para ano – e travar as alterações climáticas enquanto ainda há esperança de evitar uma tragédia humana com consequências imprevisíveis. A sua inquietação, agravada pelos incêndios na região Centro, em 2017, e pela onda de calor registada na capital portuguesa em agosto do ano seguinte, chegou ao conhecimento da Global Legal Action Network (GLAN), que rapidamente a transformou num processo sem precedentes, interposto no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH), com sede em Estrasburgo. Na ação, é pedida a responsabilização de 33 países europeus, entre eles Portugal, por “alimentarem” as mudanças climatéricas. E, em finais de novembro, ficaram a saber que o processo, apesar de complexo, pode ‘ter pernas para andar’. O tribunal deu prioridade às reclamações com base “na importância e urgência das questões levantadas” e notificou os Estados indiciados para apresentarem a sua defesa, até fevereiro de 2021.
“Como a grande maioria dos casos apresentados no Tribunal de Estrasburgo não conseguiu chegar a esta fase, esta decisão representa um grande passo em direção a um potencial julgamento, que pode ser um marco” na questão das alterações climáticas, reagiram os dirigentes da GLAN, uma organização sem fins lucrativos com sede em Londres (Reino Unido), que trabalha com o objetivo de interpor ações legais inovadoras além-fronteiras “para enfrentar intervenientes poderosos envolvidos em violações dos direitos humanos e injustiças recorrentes”.
Fundamentos científicos
Cláudia Agostinho, 21 anos, estudante de Enfermagem e porta-voz do grupo de jovens, também não esconde a “imensa alegria” pela rápida decisão do TEDH, tendo em conta que a haviam prevenido que o andamento deste tipo de processos “costuma ser lento”, e a causa tinha dado entrada há apenas dois meses. Apesar desta conquista, a jovem mantém-se serena, ciente do longo caminho que ainda há pela frente mas muito confiante no trabalho dos advogados e cientistas envolvidos no processo.
Em declarações à FÁTIMA MISSIONÁRIA, Cláudia resume em poucas palavras o motivo que a levou a abraçar esta causa: “Eu, como todos os jovens, tenho o sonho de um dia constituir família. E dou comigo a pensar para que planeta vou trazer os meus filhos. Os incêndios de 2017 foram como que um alerta para perceber que estamos mesmo mal”.
E o facto é que as preocupações da jovem, assim como dos outros cinco que a acompanham no processo, têm fundamento científico. Num relatório elaborado para juntar à queixa apresentada no TEDH, os peritos da Climate Analytics descrevem Portugal como um “ponto quente” de alterações climáticas”, que está destinado “a suportar condições extremas de calor cada vez mais mortíferas”. Ora, seguindo a trajetória atual, “com uma subida de temperatura de cerca de três graus centígrados”, os cientistas preveem que “haverá trinta vezes mais mortes causadas por ondas de calor na Europa ocidental até ao período 2071-2100”.
Com base nestes e noutros dados, a queixa alega que os governos dos 33 países visados “não estão, categoricamente, a decretar cortes profundos e urgentes nas emissões [de gases de efeito estufa], necessários para salvaguardar o futuro dos jovens requerentes”.
“Assusta-me saber que as ondas de calor recorde que temos sofrido são apenas o início. Com tão pouco tempo para travar esta situação, temos de fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para obrigar os governos a protegerem-nos devidamente”, sublinha Catarina Mota, outra das jovens envolvidas no processo.
Movimento inspirador
Em meados de dezembro, os líderes dos 27 Estados-membros da União Europeia chegaram a um acordo para reduzir as emissões em pelo menos 55 por cento até 2030, com base nos níveis de 1990. O objetivo, segundo o presidente do Conselho Europeu, é colocar o bloco comunitário no caminho de alcançar o nível de emissões zero para 2050.
Esta meta, porém, parece ficar aquém do desejado pelos ativistas. “Este processo está a ser interposto numa altura em que os governos europeus estão a planear gastar milhares de milhões na recuperação das economias atingidas pela Covid-19. Se encararem com seriedade as suas obrigações legais a fim de evitar uma catástrofe climática, irão utilizar este dinheiro para garantir uma transformação radical e rápida que não envolva a utilização de combustíveis fósseis. No caso específico da UE, isto implicaria um compromisso de atingir uma redução mínima de 65 por cento nas emissões até 2030. A recuperação não será real, se não for uma recuperação verde”, realça Gerry Liston, assessor jurídico da GLAN.
Em conclusão, se os seis jovens forem bem-sucedidos nesta ação, os 33 países estariam legalmente obrigados, não só a aumentar os cortes nas emissões, mas também a combater as contribuições a nível internacional para as alterações climáticas. Caso contrário, fica pelo menos o mérito de uma queixa inédita, que já originou “muita sensibilização” e serviu “para inspirar outras pessoas” a intentarem processos semelhantes “noutras partes do mundo”, diz Cláudia Agostinho.