Para nós, católicos, bem como, certamente, para os membros de outras igrejas cristãs e confissões religiosas, o regresso às celebrações presenciais teve um sabor muito especial. Curiosamente, durante a Eucaristia do dia 16 deste mês, o Evangelho falava da cura de um homem que esperava entrar numa piscina milagrosa, chamada “Betsatá”: esta espera durava há 38 anos, algo a que Jesus não ficou indiferente, oferecendo-lhe a tão desejada e esperada cura. Bom, não foram 38 anos que durou esta última interdição das celebrações presenciais, mas a sensação era muito parecida: foi muito bom poder reencontrar várias pessoas, uma das quais, no fim da Eucaristia, me disse que era muito bom rever-me após “tanto” tempo.
Sabemos bem que ninguém esperava algo desta natureza, que a maioria das pessoas nunca tinha estado confinada, que nunca imaginámos vir a passar por uma situação destas… e que ainda não terminou! Muito se falou, desde o primeiro confinamento, que as coisas iriam mudar, que as pessoas iriam aprender muito de bom com esta pandemia, mas a verdade é que isso não aconteceu: o que aconteceu, no meu ver, foi um redescobrir do muito que de bom e menos bom o ser humano tem, na sua relação com a sociedade.
Por um lado, vimos profissionais de muitos ramos, sobretudo da saúde, darem o seu melhor e irem buscar algo mais dentro de si, de forma individual e coletiva, forças e inspirações para quando o melhor deles não era suficiente; por outro lado, continuamos a ver quem viva como se estivesse sozinho neste mundo, ignorando e desrespeitando regras básicas de organização e proteção social. Sim, acredito que estamos todos a aprender algo com esta pandemia, mas não é o mesmo para todos, sem dúvida.
Quanto a nós, Igreja, também nos demos conta de que as coisas não voltarão a ser exatamente como eram até março de 2020, tanto que, em janeiro deste ano, a Conferência Episcopal Portuguesa produziu um documento que fala, precisamente, dos desafios colocados pela pandemia à sua forma de ser e fazer: “Desafios pastorais da pandemia à Igreja em Portugal.” Gostaria de sublinhar três pontos que, no meu ponto de vista, devem ser matéria de reflexão profunda, para que dela saia uma ação eficaz e evangelicamente atual. Em primeiro lugar, sobre o combate à solidão, o documento diz: “As comunidades cristãs devem ser estimuladoras de uma cultura de proximidade, organizada e proativa, que anime os sós.” É óbvio que esta “proximidade” se aplica também a outras realidades das comunidades eclesiais, sobretudo as crianças, os jovens e os casais. Em segundo lugar, sobre os valores da inclusão e da solidariedade, o documento diz: “A nossa sociedade precisa de uma Igreja que seja ‘hospital de campanha’ pronta a socorrer, a cuidar, a abrigar, como já o foi em tantos tempos de crise.” Para que este desafio se torne mais efetivo, junto-lhe o terceiro ponto que é, para mim, de suma importância e que se refere à paróquia: “A paróquia é ‘extroversa’ por natureza, ou seja, está atenta e ‘em saída’, vai onde se sente necessária. Passar de uma pastoral de manutenção a uma pastoral missionária é uma conversão que vai durar o seu tempo.”
Claro que para mim, como missionário, isto é mais do que óbvio, pois uma Igreja que não seja missionária, não é Igreja; é tempo de termos ministros da Igreja, desde bispos a sacerdotes, de leigos empenhados às camadas mais jovens, que sejam mais ativos e em saída, porque ficar dentro de casa é muito mais cómodo, mais ainda porque… sempre foi assim. Acredito que a Igreja deve não só fazer uma reflexão sobre a sociedade em que se encontra e os desafios que esta lhe coloca, mas fazer uma verdadeira e eficaz “introspeção” de si mesma, isto é, começar pelas bases (seminários, grupos paroquiais, entre outros) e ver o que há a mudar a nível de mentalidade e prática pastoral, porque a pandemia mostrou e mostra ainda que “não podemos dar nada por descontado”, começando pela vida e a saúde; também nós não devemos dar por descontado que a Igreja nasceu da missão, mas que deve ser sempre missionária.