Há dias deparei-me com um artigo no site da ‘Rádio Renascença’ que me deixou boquiaberto. A peça avaliava, em parte, a Presidência Portuguesa da União Europeia: só de janeiro a março deste ano foram gastos 8 milhões de euros, por ajuste direto. Faltariam ainda três meses, sendo que o total, no fim de junho, resultou num gasto de cerca 16 milhões de euros.
“Esta situação revela que os maus vícios são difíceis de apagar”, disse Susana Coroado, presidente da Transparência e Integridade, uma associação de utilidade pública, independente e sem fins lucrativos, representante portuguesa da Transparency International, rede global anticorrupção presente em mais de 100 países. Um dos exemplos que dá é este – o governo gastou quase 40 mil euros em 360 camisas e 180 fatos para motoristas, teoricamente, para delegações estrangeiras que visitem Portugal, contratos que fazem parte dos mais de 300 que foram feitos por ajuste direto.
Mais curioso ainda é o facto de que, segundo o ‘Observador’, “algumas das empresas a quem foram concedidos haviam sido criadas apenas dias antes”. Susana Coroado afirma que “continua a não haver um cuidado em pensar devidamente na despesa, em justificar, em ser transparente com os contratos e com a contratação. Falta preocupação com os conflitos de interesse. Portanto, se isto continua a acontecer agora, tememos por aquilo que possa acontecer no futuro, se estas práticas se vão manter quando chegarem os fundos da ‘bazuca’”.
Reconheço que fiquei deveras chateado com estes dados, mais ainda por serem uma mínima parte dos milhões gastos nesta presidência. O mesmo acontecerá noutros países, mas é com o nosso que me preocupo, sobretudo, porque temos a mania de querer passar uma imagem que não corresponde à realidade, mais ainda num momento em que milhares de pessoas e famílias atravessam momentos muito duros, causados pela pandemia que afetou e afeta não só a saúde física, mas também a mental, social e económica.
Porque fico chateado com estes dados? Porque me lembrei logo das multas que apanhei, enquanto presidente de três centros de dia e um lar nas duas paróquias do arciprestado da Figueira da Foz, onde paroquiei de setembro de 2016 a setembro de 2020. Fomos multados em dois centros de dia, que vivem com muitas dificuldades, sobretudo financeiras, com cartas que chegaram no mesmo dia, relativas a dados de dois anos anteriores. Fomos multados em 3 mil euros, dinheiro muito precioso para instituições frágeis como estas, por termos ajudado mais pessoas que as permitidas pela Segurança Social. Ou seja, enquanto alguns roubam e outros gastam milhões e milhões sem que nada lhes aconteça, outros são punidos por ajudarem quem mais precisa; sim, porque a maior parte dos processos que estão a ser tratados na justiça acabarão por prescrever, e, pior ainda, teremos ainda de pagar avultadas indemnizações a “bandidos sem vergonha e sem escrúpulos”.
Acredito que não fomos as únicas instituições a serem multadas, pois no mesmo dia uma outra foi multada em 5 mil euros, e se foram multas alusivas a dois anos anteriores, há que esperar pelas que se seguirão… Mesmo não estando mais lá, não posso deixar de ficar preocupado. Que triste país: uns são multados por ajudar, outros auto-gloriam-se por desperdiçar, sendo também louvados pela UE.
Infelizmente, vivemos num país assim, em que o crime compensa e compensa cada vez mais. Este é também um país que, infelizmente, sofre de amnésia coletiva, porque os casos que estão em processo judicial, alguns com vários anos e milhares de páginas (impossíveis de ler no seu todo, claro está!), foram notícia ‘quente’ durante uns dias, mas pouco depois depressa arrefeceram, até porque o futebol recomeçou e na televisão temos entretenimento que alimenta a amnésia e indiferença coletiva. Veremos o que acontecerá com a famosa ‘bazuca’…