A ecologia e a astronáutica não só têm tornado mais presente, no espaço público, o lado não-complacente e devastador da terra, como têm obrigado, numa relação com ele, a um seu inevitável e necessário reposicionamento, e a que se tenha uma maior consciência das exigências inerentes à construção de uma particular ideia de “casa comum”.
Hoje, como agente político, de direito próprio, é a própria terra que bate tempestivamente o pé à bulldozer–arrogância do agir humano, não permitindo que continue a ser abusada como palco, matéria-prima e combustível, na realização dos seus metafísicos e endeusados projetos; como é a mesma terra – que nunca pode oferecer à nascença dos que a habitam, o aconchego confortável e seguro do lugar-de-mãe de onde possam ter vindo – a relembrar que uma nunca-garantida ideia de casa comum, segura e duradoira vai ter de ser continuamente fatigada, negociada e construída com todos, sem a exclusão de ninguém.
Se vai continuar a querer viver e a afastar-se sempre mais da ameaça da sua extinção, a coabitação é não só o desafio, como o único frágil-garante de uma “sustentável habitação comum”, o que significa que o alcance de algum bem-estar e segurança, que o mesmo é dizer de qualquer sonho, irão sempre depender de uma “comunidade inclusiva de todos”.
A proporção do crescente desastre ambiental e humano em curso chega-nos frequentemente às mãos, mas os números parecem nunca ser suficientemente impressionantes para desencadearem, no imediato, a inevitável e urgente mudança pessoal. Por isso, num momento em que voltamos a falar de pobreza entre humanos, os estudos, para além das calamidades naturais, estados de guerra e consequentes fluxos migratórios, apontam sempre, como fatores causais, para a insuficiência dos apoios, dos salários, da distribuição de rendimentos, para a pouca literacia, quando a verdadeira causa está no facto do mundo viver mobilizado para a ilusória felicidade do condomínio fechado, dentro dos quais grupos, indivíduos sem sentido de pertença à terra, vivem exclusivamente motivados por um vertical culto de si mesmos, pelo seu pessoal carreirismo, criação, realização e salvação, e de onde são lançadas a milhares e milhares de pessoas, em tom moralizado e humilhante, as ajudas, os salários, a precariedade e a solidariedade da esmola.
A diminuição de todo o tipo de pobreza, e da desigualdade que hoje separa uns dos outros, exige a participação de todos os seres. E essa só é possível através e uma coabitação que em comunidade faz um “comum e sustentável usos das coisas”, a favor do bem-estar de todos.