Não sei se o adicionar de uma crise politica ao desastre socioeconómico e sanitário em que vivemos mergulhados, e sem fim à vista, nos colocaria numa situação ainda mais complicada, mas há momentos em que é mesmo necessário interromper um determinado estado de coisas, para que uma outra realidade possa emergir. A médio, longo-prazo, uma qualquer instabilidade pode não ser desejável, mas também o finca-pé, a favor de uma estabilidade esvaziada de propósito, não é de todo recomendável.
O drama-teatral construído à volta de um Orçamento Geral do Estado, que parece que tem de ser aprovado a todo o custo, faz transparecer não tanto uma séria preocupação com os problemas do país, mas disputas ideológicas partidárias. Quanto do país-real interessa verdadeiramente aos partidos com assento parlamentar, é uma questão que fica sempre por responder. Também as atuais lutas pelo poder, dentro dos partidos da oposição, são elas mesmas reveladores de um “esgrimar-de-galos” mais interessado em usar o país, os seus residentes, como palco e matéria-prima, do que como “nobre povo”, fim em si mesmo, e ao qual se deve oferecer incondicionalmente o melhor, descentrado e desapegado serviço.
Talvez por isso, eleições antecipadas nos condenassem a mais do mesmo por outras cores, vozes, protagonistas. O estado da nossa justiça, economia, saúde, educação, cultura são, no atual exercício de si, de tal ordem permeados pelos mais perniciosos e corruptos comportamentos e interesses, que qualquer alternativa seria sempre tocada por eles. Haverá, por outras razões, quem não deseje eleições antecipadas, quem não aceite correr o risco de se ver reduzido a uma impensável insignificância, mas a verdade, no final, é que o que temos de verdadeiramente mau, não se resolve com meras eleições antecipadas ou em fim de legislatura.
As revoluções nascem de uma insustentável situação, mas atuais apelos a que se faça nascer um outro sistema para lá deste, estão de tal maneira embebidos da nossa mediocridade que só mesmo “alguma pureza”, um radical esvaziamento de nós mesmos, para lá da nossa atual maquinaria, poderia ser seriamente credível e fazer alguma diferença. Ao ouvirmos uns e outros, damo-nos imediatamente conta de que o que não se deseja, o que mesmo não se quer, é precisamente o que vamos ouvindo em tanta gritaria.
A correr para o inverno, não é, pois, de estranhar, lamentavelmente, que com o crescente aumento do preço dos combustíveis, e uma pandemia bem longe de se poder dizer controlada, mais de 2,5 milhões de pessoas em Portugal se encontrem novamente à mercê dos que vão uma vez mais decidir quem vai poder transportar-se, aquecer-se ou sofrer as agruras dos gélidos dias que vão chegar.