“Demo-nos conta que, perante esta calamidade mundial, ninguém está a salvo até que todo o mundo esteja salvo, que as nossas acções realmente afectam os outros, e que o que fazemos hoje influencia o que acontecerá amanhã”, escreveram os três líderes, numa iniciativa inédita, no início de Setembro, a propósito da 26ª Conferência das Partes (COP-26), das Nações Unidas, sobre o Clima, que decorre em Glasgow (Escócia) até 12 de Novembro.
O documento refere-se à actual crise como uma oportunidade que “não se pode desperdiçar”, para salvar e cuidar da criação – a expressão que desde o final dos anos 1980 tem sido sinónimo, para os cristãos, da preocupação pelo ambiente e a ecologia. “Devemos decidir que tipo de mundo queremos deixar para as gerações futuras. Devemos escolher viver de forma diferente; devemos escolher a vida”.
A mensagem recorda que os interesses do presente predominam nas decisões sobre as questões climáticas “à custa das gerações futuras”; e diz que se, por um lado, a tecnologia abriu novas possibilidades, por outro levou à acumulação de “riquezas desenfreadas”. “A natureza é resistente, mas delicada. Temos a oportunidade de nos arrepender, de voltar atrás com decisão”, afirmam os três líderes.
O texto insiste na ideia de que as mudanças climáticas não são um problema apenas para as gerações futuras, mas uma questão urgente e de sobrevivência já agora. E denuncia “uma profunda injustiça: as pessoas que sofrem as consequências mais catastróficas destes abusos são as mais pobres do planeta e foram as menos responsáveis por causá-las”.
A colaboração no combate à emergência climática é olhada pelos três responsáveis como uma possibilidade de aproximação ecuménica: “Juntos, como comunidades, igrejas, cidades e nações, devemos mudar de rumo e descobrir novos caminhos para trabalhar juntos para abater as barreiras tradicionais entre os povos, para parar de competir por recursos e começar a colaborar.”
Na mensagem, os três convidam ainda os líderes mundiais à oração pela COP26. “Esta é a primeira vez que nós os três nos sentimos impelidos a abordar juntos a urgência da sustentabilidade ambiental, o seu impacto na pobreza persistente e a importância da cooperação global”, escrevem. “Juntos, em nome das nossas comunidades, apelamos ao coração e à mente de cada cristão, cada crente e cada pessoa de boa vontade. Oramos pelos nossos líderes que se encontrarão em Glasgow para decidir o futuro do nosso planeta e do seu povo. Mais uma vez, lembramo-nos das Escrituras: ‘Escolhe a vida, para que tu e a tua descendência vivam’ (Dt 30:19). Escolher a vida significa fazer sacrifícios e exercer moderação”.
“Não adiar para amanhã”
Este apelo tem sido secundado, nas últimas semanas, por vários outros. Numa mensagem aos participantes no Encontro de Alto Nível da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, que decorreu no final de Setembro e relacionava a promoção dos direitos humanos com a luta contra a emergência climática, o Papa insistiu em que “já não há tempo para esperar, é preciso agir” em relação à emergência climática. “Qualquer instrumento que respeite os direitos humanos e os princípios da democracia e do estado de direito, que são valores fundamentais do Conselho da Europa, pode ser útil para enfrentar este desafio global”, escreveu o Papa, a propósito da relação entre os direitos humanos e a defesa do clima.
Nesse texto, Francisco sublinhou também a ideia de que a crise ambiental convida a pensar na responsabilidade para com as gerações futuras, tomando decisões concretas que “não podem ser adiadas para amanhã, se o seu propósito for proteger a casa comum e a dignidade de cada ser humano”.
Insistindo na mesma ideia do cuidado, e na mesma altura, o Papa dirigiu uma outra mensagem, desta vez em vídeo, aos jovens participantes num seminário sobre educação para a sustentabilidade, o Youth4Climate, em Milão (Norte de Itália). “Através de ideias e projectos comuns, podem ser encontradas soluções que superem a pobreza energética e que coloquem o cuidado dos bens comuns no centro das políticas nacionais e internacionais, favorecendo a produção sustentável, a economia circular, a agregação de recursos energéticos, a partilha das tecnologias adequadas”.
Insistindo na necessidade de “decisões sábias” para promover “uma cultura do cuidado, uma cultura da partilha responsável”, o Papa agradeceu também aos jovens “pelos sonhos e projectos de bem que têm e pelo facto de se importarem tanto com as relações humanas e com o cuidado do meio ambiente”.
Esta noção de cuidado retoma o conceito de “cuidar o futuro”, título do relatório da Comissão da População e Qualidade de Vida, presidida por Maria de Lourdes Pintasilgo na segunda metade dos anos 1990 (e cujo texto foi entretanto reeditado em livro e está também disponível na página digital da Fundação Cuidar o Futuro). O conceito esteve, aliás, presente logo na missa de início de pontificado, em 2013, quando o Papa falou da necessidade de os cristãos serem “guardiães da criação”.
Respostas eficazes, precisam-se
No dia 4 de Outubro, durante o encontro “Fé e Ciência” no Vaticano, o Papa pediu também “respostas eficazes” para uma “crise ecológica sem precedentes”, dirigindo-se aos responsáveis que se reuniriam na COP26.
Uma semana depois, na Universidade Pontifícia Lateranense, ao abrir um novo ciclo de estudos em Ecologia e Meio Ambiente, que conta com o apoio do patriarca ortodoxo Bartolomeu, de Constantinopla, Francisco alertou de novo para os falhanços da comunidade internacional no combate às alterações climáticas.
“Sem uma verdadeira ecologia integral teremos um novo desequilíbrio, que não só não resolverá os problemas, mas acrescentará outros”, afirmou. “O mal que estamos a fazer ao planeta já não se limita aos danos ao clima, à água e ao solo, mas agora ameaça a própria vida na Terra. Diante disso, não basta repetir declarações de princípio que nos fazem sentir bem porque, entre outras coisas, também estamos interessados no meio ambiente.”
O patriarca Bartolomeu, de Constantinopla, líder espiritual dos ortodoxos, destacou por sua vez que a atenção ecológica “não é apenas uma resposta a preocupações políticas ou económicas, mas acima de tudo uma resposta ao mandato divino de cuidar do dom da criação, de servir e preservar a terra”.
Bartolomeu tem promovido desde há largos anos vários simpósios que cruzam a ciência, a teologia e preocupação ambiental, em lugares ameaçados como o rio Danúbio, a Amazónia ou a Gronelândia, o que já lhe valeu ser apelidado de “patriarca verde”, pela acção pastoral e reflexão que tem promovido sobre as questões da integridade da criação. E além de o Papa Francisco o citar várias vezes na encíclica Laudato Si’, um dos teólogos que mais tem apoiado o patriarca na reflexão sobre este tema, o metropolita Ioannis Zizioulas, de Pérgamo, participou na apresentação da encíclica no Vaticano, em 2015.
Há seis anos, a encíclica do Papa foi um dos elementos decisivos a influenciar as decisões da Conferência de Paris sobre o clima. Serão agora estes apelos ouvidos em Glasgow?…
Texto: António Marujo, jornalista do 7Margens; o autor escreve segundo a anterior norma ortográfica