A COP26 começou com o mundo a caminho de um aumento de temperatura de 2,4°C devido às emissões de gases de efeito de estufa, e uma intensificação de eventos climáticos extremos ligados às alterações climáticas – inundações, furacões e incêndios florestais. Os países juntaram-se nesta cimeira organizada pelas Nações Unidas para traçar uma ação coletiva urgente para fazer face à catástrofe climática iminente, fazendo cumprir o Acordo de Paris assinado em 2015, o qual visa manter o aquecimento global “bem abaixo” de 2°C, idealmente 1,5°C. Nesta COP pedia-se a 196 países e à União Europeia que apresentassem planos de redução de emissões até 2030, com o objetivo de continuar a reduzi-las até se atingir a neutralidade climática global em 2050.
A primeira semana foi marcada por discursos de líderes políticos, presenciais e por videoconferência, com destaque para comunicações de chefes de Estado e primeiros-ministros de países mais relevantes em termos do peso das suas economias, e da responsabilidade histórica nas emissões que contribuem para o aquecimento global. Houve também discursos marcantes de pequenos países já fortemente afetados pelas alterações climáticas, com o Secretário-Geral das Nações Unidas, António Guterres, a repetir a palavra “basta”, apelando à necessidade de mudarmos um curso que coloca em perigo a humanidade.
O financiamento é de facto a grande questão por parte dos países em desenvolvimento, aquela que verdadeiramente os levou à cimeira, dinheiro para tornar as suas economias verdes e resilientes à crise climática. Na frente do financiamento, existia um ponto de atrito comum nas negociações, uma vez que eram precisos compromissos sérios e concretos sobre o pagamento do combate às alterações climáticas. Os países desenvolvidos com responsabilidades históricas nas emissões, numa ótica de justiça ambiental, devem suportar a mitigação e adaptação dos países mais afetados pelas alterações climáticas, normalmente países pobres. Isto não tem acontecido no passado: o financiamento nesta cimeira começou aquém em 20 por cento de cumprir a meta de mobilização de 100 mil milhões de dólares por ano adotada em 2009 em Copenhaga. Embora este objetivo não tenha sido alcançado, falha reconhecida pelos países e presente no texto de Glasgow, a tarefa dos negociadores na Escócia era chegar a um acordo sobre um novo pacote de financiamento climático a partir de 2025.
Este reconhecimento foi aproveitado por um bloco crescente de países em desenvolvimento, os quais, em troca de propostas de redução de emissões, exigiram compromissos na COP mais claros por parte dos países desenvolvidos em termos de financiamento. Os países mais pobres e diversas organizações não-governamentais acusaram países como os Estados Unidos da América (EUA) e a União Europeia de bloquearem progressos nas negociações por, na prática, não assumirem as suas responsabilidades históricas nas emissões.
Outra questão premente é a da distribuição dos fundos, os quais têm sido dirigidos maioritariamente à mitigação, quando é preciso igualmente pagar a adaptação – cujos custos não são inferiores aos da mitigação, pelo que a distribuição deveria ser 50-50. O acesso a este financiamento tem estado também repleto de entraves, e por norma não se trata de apoios diretos, mas sim de empréstimos, os quais não deviam contar para o fundo, pois são uma forma de endividar países já pobres. Infelizmente, o texto de Glasgow não trouxe avanços significativos neste âmbito.
Em suma, a nota é negativa para o que foi alcançado em Glasgow no capítulo do financiamento climático. As promessas e apelos para aumentar o nível de financiamento acima dos 100 mil milhões são vãs. Afinal, se a meta inicial de 100 mil milhões de dólares não foi alcançada em mais de uma década, porque haveriam as promessas, novamente sem um caderno de encargos definido, de ser cumpridas desta vez?
As medidas para indemnizar de forma justa os países vulneráveis pelos danos e perdas já sofridos nos seus territórios decorrentes de fenómenos extremos, cada vez mais causados ou agravados pelas alterações climáticas, foram centrais nesta cimeira – algo que as associações saúdam, pois infelizmente em cimeiras anteriores isso não tinha acontecido. Na última década, os desastres relacionados com o clima em todo o mundo mataram mais de 410.000 pessoas e afetaram muitas mais. Em 2020, havia 30 milhões de deslocados devido a eventos relacionados com o clima. No futuro, até 2030, estima-se que as perdas e danos causados pelas alterações climáticas tenham um custo económico entre 290 e 580 mil milhões de dólares só nos países em desenvolvimento.
Para responder a este problema, pedia–se aos países que estabelecessem um mecanismo para concretizar o financiamento para compensar os prejuízos, e que assumissem um compromisso concreto adequado às reais necessidades e baseado nos princípios da equidade e solidariedade global, algo que também não tem acontecido. Em parte, porque as grandes economias, incluindo os EUA e a União Europeia, resistiram durante muito tempo à ideia de um novo fundo que proporcionasse uma compensação por perdas e danos ligados às alterações climáticas, receando abrir uma porta a pedidos de indemnização.
Infelizmente, Glasgow deixou ainda muito trabalho por fazer, apesar de deixar indicados alguns potenciais caminhos para a sua operacionalização. Há a menção de tornar a Rede de Santiago, destinada a coordenar a assistência às vítimas de perdas e danos, uma realidade, embora sem aspetos concretos. A questão mais quente (sobretudo a do financiamento) ficou, mais uma vez, para a próxima. Não será de estranhar que os países em desenvolvimento saiam desta COP a sentirem-se traídos e a clamarem por justiça climática. Os mais desfavorecidos continuam ano após ano, COP após COP, a ver os países ricos e poluidores a fugirem às suas responsabilidades, e Glasgow não pôs um termo a isso.
Em essência, apesar de vários representantes do Norte global (entre os quais a UE e os seus Estados-
-Membros), avançarem com metas ambiciosas no combate às alterações climáticas, por vezes esta ambição concretiza-se através da exportação dos impactos ambientais negativos para países terceiros, nomeadamente para países africanos e asiáticos, que têm menor capacidade de regulação e fracas capacidades técnicas ou financeiras para responderem da melhor forma a estes desafios. Estas práticas incoerentes simultaneamente expõem os países em desenvolvimento às consequências de políticas e metas definidas pelos países ricos para a descarbonização das suas economias e enfraquecem a posição dos países ricos como líderes mundiais no combate às alterações climáticas.
No final, a emenda proposta pela Índia de considerar a redução do uso de carvão ao contrário da sua eliminação foi lamentável e mostra a enorme dependência de muitos países deste combustível fóssil em particular, que é um elemento fundamental da descarbonização global. Se as conclusões finais não agradam inteiramente a ninguém, não deixam de ser uma base importante para progressos futuros. Esta COP não assegurou 1,5°C, mas deixou uma porta entreaberta para tentarmos lá chegar. A COP26 vai assim a prolongamento na Cimeira do Clima no Egito em 2022, tempo extra que temos o dever de usar sabiamente.
Texto: Francisco Ferreira, presidente da ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável