Manuel Dias, sacerdote missionário da Consolata português, celebra este domingo, 26 de dezembro, as suas bodas de ouro sacerdotais. Aos 85 anos, o religioso natural de Ferreira do Zêzere, ainda tem bem presente o dia da sua ordenação sacerdotal. Tinha então 35 anos. “Lembro-me muito bem porque fui ordenado na minha terra, em Ferreira do Zêzere, onde era muito conhecido. Recordo que foi um dia maravilhoso. Toda a comunidade estava presente. A celebração decorreu numa igreja que me diz muito porque lá tinha sido batizado, fiz a primeira comunhão, a profissão de fé, o crisma e também a ordenação. E isso para mim quer dizer muito. Ainda está lá a pia batismal onde eu fui batizado. Ter sido ordenado aí, para a minha gente que me conheceu desde sempre, para mim foi um dia muito importante.”
A sua opção pela vida religiosa foi muito bem recebida por todos quantos o rodeavam. “Tenho uma família muito numerosa. Atualmente somos 110. Os meus pais tiveram dez filhos, alguns já falecidos. A minha família acolheu-me muito bem. Viram-me sempre como um missionário e isso para mim foi também um apoio muito grande”, refere o religioso, que reflete agora sobre 50 anos de sacerdócio. “Para mim é um balanço muito positivo. Senti a presença de Deus na minha vida missionária, em Portugal e na Colômbia, onde estive em missão. Senti que Deus me acompanhava e que estava presente em tantas circunstâncias, particularmente na evangelização, na orientação das comunidades, das paróquias. Vi sempre uma presença de Deus muito forte”, realça.
O despertar para a missão
Em jovem, Manuel Dias considerava que a educação tinha uma dimensão fundamental, e por isso decidiu contactar uma professora para que esta o preparasse para o exame da 4ª classe, aos 19 anos de idade. Depois de cumprida essa etapa foi para a tropa, aos 20 anos. “Aí, numa das conferências que fazia o capelão sobre a vocação, achei que algo me poderia dizer respeito. Sentia que alguma coisa me tocava nessa reflexão. Quando terminei os 18 meses de serviço militar, contactei os missionários da Consolata em Fátima e entrei no seminário quando tinha 22 anos”, conta. Já na Consolata, o jovem de então fez o “liceu completo”. O noviciado foi feito em Itália. O estudo da filosofia aconteceu em terras italianas, mas também em Portugal.
Em solo nacional, Manuel Dias foi formador de seminaristas ao longo de 12 anos. Em 1984, o religioso tornou-se o primeiro missionário da Consolata português a ser enviado em missão para a Colômbia, onde foi missionário ao longo de 36 anos, passando por diversos pontos do país, ocupando diversas funções e acompanhando a construção de diversas infraestruturas.
As dificuldades de uma população acolhedora
“O povo colombiano tem muita atenção ao estrangeiro. Sabem que o estrangeiro foi para lá para ajudar. Aceitam-no muito. Estradas não há. As deslocações eram sempre a cavalo. Levavam um cavalo bom, para eu poder viajar. Tinham sempre uma cama muito bem preparada para eu poder dormir. Muito acolhedores. Mostravam muito carinho, apoio e atenção. Praticam muito a caridade”, lembra.
Durante o período de missão na Colômbia, o sacerdote tomou conhecimento das dificuldades enfrentadas por aquele povo. “A população vive do que produz no campo. Alguns criam animais, mas tornam-se difíceis de vender, e uma parte das pessoas dedicavam-se ao cultivo da cocaína. Tinham as suas reservas por lá escondidas em sítios que eu nunca consegui ver e produziam e vendiam para sobreviver. O grande sofrimento das pessoas era não terem com que sobreviver, com que comer. Isso era o grande problema.”
O sacerdote afirma que nunca teve problemas com os movimentos de guerrilha. “As Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) estavam presentes. Conheciam-me. Quando ia a lugares perdidos na selva celebrar missas, passar um dia com o povo, eles iam, mas para ouvir o que o padre dizia. Eu sabia que eles estavam por lá. A minha missão era evangelizar e não meter-me em políticas e nunca tive problemas. Tive sempre todo o cuidado com as minhas palavras.”
No entanto, o missionário reconhece que o clima vivido no país se pode tornar esmagador para a população. “Oprime bastante porque as pessoas não são livres de poderem ir onde desejam. Não são livres. Podem ter consequências no sentido em que não podem sair. Não podem fazer o que querem, ou dizerem o que querem. Há uma certa opressão, um certo medo da parte das pessoas”, lamenta.
Uma relação inquebrável
O sacerdote deixou a Colômbia com a população a acreditar que iria apenas de férias. Esta situação ainda hoje deixa Manuel Dias muito emocionado. Os contactos entre as duas partes não cessaram. “Esperam sempre o dia do meu regresso porque, segundo eles, eu vim para Portugal, mas de férias. Não disse a ninguém que não voltaria. Disse que vinha de férias e despedi-me. Só depois de dois a três meses em Portugal é que comecei a falar da saúde, da idade, e, finalmente, acabei por comunicar que já não voltaria. Isso foi um grande golpe para eles. Escrevem-me muito, e muitos ainda me dizem – ‘Esperamos que venha, que volte!’”
Apesar da distância, o povo colombiano marca presença em cada dia do missionário. “Tenho sempre presentes as pessoas muito queridas, amáveis e disponíveis que conhecia na Colômbia. Rezo todos os dias por elas. Para que Deus as acompanhe e proteja”, conta o missionário. Em Fátima, aos 85 anos, Manuel Dias mantém-se ativo. Desloca-se com regularidade ao Santuário de Fátima, onde concede o sacramento da reconciliação aos peregrinos. Além dos fiéis de Fátima, transporta consigo as preces pelos colombianos, que inundam o seu coração de saudade.
Texto: Juliana Batista