Grande parte do mundo acordou hoje incrédula ao saber da operação militar russa em cidades ucranianas. Digo grande parte, porque nem todos terão recebido com enorme tristeza esta notícia.
Estamos em 2022, e o fascínio do domínio sobre outros continua a ser, em processos de educação, uma matéria central que é necessário incutir ao corpo, como se a sua militarização fosse a sua primeira e derradeira vocação. Não admira, que face à agressão russa, outra parte do mundo, por um lado, se regozije, e por outro, se cale ou se feche na sua hipócrita indiferença ou imparcialidade. E no meio deste conflito, é certamente basilar que os nervos de uns não façam desencadear uma guerra mundial.
Como travar a nossa monstruosidade, como imobilizá-la, despi-la?
Conta-se “uma história” com o propósito de legitimar um qualquer ataque, quando a história é permeada por uma infinita pluralidade de centros, o que a esvazia de uma única verdade, não lhe sendo permitido falar a uma só voz. Por isso, o diálogo totalmente desarmado será hoje e sempre o único caminho possível na resolução de todo o tipo de conflito. E será sempre a defesa incondicional da vida de cada um, a razão para lá de qualquer argumentação política.
Mas hoje vivemos o medo. A anterior crise económico-financeira, a crise sanitária destes dois últimos anos, as alterações climáticas e estas continuas ameaças de guerra e reais bombardeamentos, não trouxeram à nossa quotidianidade que medo. A solidariedade, a empatia, a compaixão, a esperança que se foram fortemente ouvindo falar, por entre o clamor de tantos de nós, não são que breves e leves rajadas de vento incapazes de criar erosão e de fazer desaparecer o sobressalto que hoje permeia as nossas estruturas físicas e mentais.
O medo da solidão, do desemprego, da morte, do inferno, do aumento do custo de vida, da inflação, do divórcio, da falta de rendimentos, da perda de soberania, da casa, da privacidade, da depressão, da ansiedade, da falta de água, de mudar de vida, de desiludir, o medo do outro, do seu olhar, das suas intenções. Ao impedir a espontaneidade, a alegria, a serenidade, a criatividade, a confiança e a imaginação, o medo é hoje o cárcere, os grilhões que nos isolam, nos fazem desistir e gradualmente definhar.
Não é de admirar o aumento do consumo de antidepressivos e ansiolíticos. Não é de estranhar que hoje as pessoas na Ucrânia não saibam o que fazer, para onde ir, e que o abandono das suas casas e terras as faça sentir o aproximar de um abismo de morte, sem futuro.
Talvez cada geração, no passado tenha sonhado, à sua maneira, com a paz e o total aniquilamento do receio que as impedia de viver. E hoje, sem que o seja porventura mais urgente, não se percebe, de todo, este bélico erguer de mãos.
Quando seremos capazes de dizer adeus à hegemonia que continua a alimentar o desenrolar das nossas histórias? Para quando o fim de todo o tipo de imperialismo, nacionalismo, totalitarismo, centrismo?
Só uma convivência desarmada e sem fronteiras será garante de Justiça e Paz, e a Terra será, finalmente, Casa de Todos.