Erin Lever é uma obstetra que nos últimos meses tem estado a trabalhar com os Médicos Sem Fronteiras (MSF) num acampamento para deslocados em Bentiu, no Sudão do Sul. O hospital dos MSF é a “única unidade de saúde secundária que atende os 130 mil residentes do acampamento”, refere a profissional, em declarações prestadas aos serviços de comunicação da organização.
“Na maternidade, recebemos mulheres que estão com intercorrências na gravidez e, muitas vezes, encaminhamentos de emergência que chegam de última hora em condições muito críticas”, conta a médica, adiantando que as cheias do último ano “são as piores que o Sudão do Sul testemunhou nos últimos 60 anos”. “Elas quase cercaram o acampamento, e muitas povoações estão isoladas de tudo, incluindo o acesso a alimentos e cuidados de saúde”, indica.
“Estão encharcados, enlameados e parecem exaustos”
Na missiva, a médica conta o caso de uma mulher que nas “últimas semanas de gravidez foi admitida com um sangramento significativo”, e que tinha sido levada a pé até à unidade de saúde por diversos homens da família. “Esses homens caminharam por três horas pelas águas da enchente, no meio da noite, carregando a grávida num cobertor. Eles explicaram aos meus colegas que, nas partes mais fundas, os homens mais altos se revezavam no transporte e os homens mais baixos nos trechos mais rasos. Eles estão encharcados, enlameados e parecem exaustos. Toda a equipa, incluindo obstetras que tiveram vidas incrivelmente desafiadoras, estão impressionadas com sua a resiliência.”
Os profissionais de saúde foram obrigados a intervir para que a criança pudesse nascer e respirar sozinha, e, logo depois, a mãe sofreu “uma forte hemorragia pós-parto”, que deu início ao “protocolo de emergência de hemorragia”, e que levou os familiares da mulher a “fazer fila para doar um litro de sangue” para a poder salvar. A mulher acabou por levar “três unidades de sangue” e ficou bem, refere Erin Lever, lembrando que “paralelamente a esta emergência”, foram atendidas as restantes pacientes da maternidade.
A profissional faz um retrato do drama vivido no país. “Anos de instabilidade significam que o Sudão do Sul tem um sistema de saúde público confiável muito limitado e, nessa região, os MSF oferecem cuidados extremamente necessários e de alta qualidade. Mas as inundações estão a afetar todos os aspetos da vida das pessoas, isolando-as, aumentando o risco de doenças como cólera e malária, além de dificultar ainda mais o acesso a serviços básicos. Sem o hospital dos MSF, o trabalho da nossa equipa da maternidade e neonatologia, a força e a determinação da família da paciente e a sua própria resistência, ela e a sua bebé não teriam sobrevivido”, destaca Erin Lever.