De entre as muitas questões éticas que suscita hoje a defesa da vida humana, podem destacar-se as relativas ao aborto e à eutanásia. Mas tal não significa negar a importância da defesa da vida em todas as suas fases, e não apenas no seu início e no seu fim. O aborto e a eutanásia são atentados que têm (ou pretende-se que tenham) hoje cobertura legal e o apoio das instituições públicas. Não estamos perante atentados à vida (como um qualquer homicídio) sempre presentes na história humana como algo geralmente condenado, ainda que difíceis de evitar por razões várias.
O aborto envolve a particular gravidade de ter como vítima o mais vulnerável e inocente dos seres humanos (“o mais pobre dos pobres” – dizia Santa Teresa de Calcutá). Na questão da legalização da eutanásia, estão em jogo duas outras questões de particular relevo ético: a questão da indisponibilidade da vida humana (saber se a vida humana deixa de ser inviolável se o seu titular nisso consentir) e a questão da igual dignidade da vida humana em qualquer situação em que este se encontre (saber se a vida humana deixa de merecer proteção quando perde alguma qualidade ou é marcada pelo sofrimento). Para além dessas questões, há, desde logo, as relativas à guerra e à pena de morte, questões em que a própria doutrina da Igreja se foi aprofundando numa linha de maior fidelidade ao Evangelho.
As condições muito estritas da legitimidade da guerra defensiva são reafirmadas na encíclica “Fratelli Tutti” (n.º 258), onde se alerta para a tendência de tentar alargar injustificadamente o âmbito da legítima defesa, exemplificando com a noção de “guerra preventiva” (o que sucedeu na guerra do Iraque). Quanto à pena de morte, o Papa Francisco aprovou uma nova redação do n.º 2267 do Catecismo da Igreja Católica que exprime a rejeição da sua legitimidade em qualquer circunstância e por uma questão de princípio.
A relevância ética da defesa da vida humana também se evidencia na organização do sistema económico e dos sistemas de saúde. Essa organização há de garantir o acesso de todas as pessoas à alimentação necessária à sua sobrevivência, tal como o acesso aos cuidados de saúde básicos que possam evitar doenças mortais. O primado ético da defesa da vida humana é também relevante na observância de várias regras de segurança e sanitárias. Estamos no âmbito do risco e da precaução, não estão em causa danos certos contra a vida, está em causa o perigo de eles se verificarem. O primado ético da defesa da vida humana exige a minimização dos riscos inerentes a uma sociedade como a contemporânea, segundo critérios de proporcionalidade, através de regras de precaução mais ou menos restritivas de acordo com a maior ou menor gravidade desses riscos. De qualquer modo, a guiar-nos na determinação dessas regras, deve estar um princípio de prevalência da defesa da vida (a própria e a dos outros, sempre interligadas porque nenhuma pessoa é uma “ilha”) sobre a autonomia individual.
Texto: Pedro Vaz Patto, Presidente da Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP); Texto conjunto MissãoPress