Esforço-me por compreender o aumento do investimento na defesa (em Portugal, significaria mais mil milhões de euros ano para cumprir a meta da NATO), o afiar de dentes e a produção de mais armamento, mas se a guerra, como qualquer crise, tem as suas oportunidades, o “olho por olho” não é, não pode ser uma delas.
A loucura de alguém, que atenta contra a soberania de uma nação, dizimando milhares de civis indefesos, entre eles, tantas crianças, não tem solução num “sniper” ou numa “refeição envenenada”, como o poderia acomodar e até agradecer o meu lado mais animal. Precisamente porque nenhuma vida nos pertence, entendo que rasgos de brutalidade devem ser imobilizados, mas nunca abatidos. E espero que o calar das armas aconteça rapidamente, não como resultado de uma rendição, capitulação, mas de um não-desistente e incansável entendimento entre partes. Mas a guerra, ao contrário das reações que tem tido, e por mais compreensíveis que possam ser, devia levar-nos numa direção totalmente oposta: a da desmilitarização de cada um de nós e das nações do mundo inteiro.
A vida que se faz desarmada é tema de uma minha canção em produção e foi, recentemente, razão de uma conversa tida com um grupo de alunos de uma escola de Lisboa. Uma escola, o ventre de uma mãe, uma casa que preparem para a guerra, seja pessoal ou coletiva, é uma total negação da nossa condição, de seres contingentes, finitos, frágeis e mortais. Se não fosse por alguém que nos toma ao colo e nos cuida, nós não sobreviveríamos aos primeiros instantes de um pós-parto, e assim pela vida fora. Mas infelizmente, logo muito cedo, as nossas crianças são levadas a vestir a roupagem do soldado e a munir-se de todo o tipo de armamento. A educação tem em vista um mundo de predadores, descrito como uma cruel e feroz selva, e há que estar devidamente preparado, quando o propósito é o de ser primeiro e único, o mais rico, o mais poderoso, o mais bonito, o mais inteligente, o mais famoso, o mais realizado.
Qual a finalidade do nosso Ministério da Defesa, com todas as suas tropas e o seu obsoleto equipamento? O que temos nós a defender por cá, se nada neste pequeno território é pertença de alguém, e se a anulação de qualquer tipo de invasão nunca teria em nós a capacidade necessária para o conseguir? Mas depois, a questão nem sequer está na nossa capacidade bélica ou na nossa fibra enquanto eventuais “guerreiros lusitanos”. A nossa desmilitarização, enquanto pessoas e enquanto nação, pode parecer, nos tempos que correm, um exercício de pura ingenuidade, utopia barata, desinformada, popularesca, conversa a precisar de psiquiatria, mas esta não deixa de ser a grande oportunidade intrínseca a cada manifestação de todo o tipo de violência, contra nós próprios ou contra outrem. E são sempre, infelizmente, caminhos numa outra direção, as grandes oportunidades perdidas numa pós crise económico-financeira, numa pós-pandemia, num pós-guerra.
Numa altura em que as viagens ao espaço deleitam multimilionários, e se disse, no passado, que a viagem à lua representava um grande passo para a humanidade, imaginem o feito civilizacional que não seria, a desmilitarização do mundo inteiro. A proeza que não seria, que a partir de hoje, as gerações futuras pudessem nascer e viver sem medo de nada, de ninguém, e em paz com todos.