A Amnistia Internacional (AI) e a Human Rights Watch (HRW) denunciaram aquilo que consideram ser uma “campanha implacável de limpeza étnica” que está em curso na região do Tigré, na Etiópia, em consequência do conflito que se arrasta desde novembro de 2020. O relatório de 220 páginas, baseado em 427 testemunhos, publicado em abril, descreve o que a AI e a HRW consideram ser “crimes de guerra e crimes contra a humanidade”, cometidos com especial incidência
na região ocidental do Tigré.
A região, com cerca de 12000 quilómetros quadrados foi anexada em 1991 pela Frente de Libertação do Povo Tigré (FLPT), e objeto de uma reforma agrária forçada, provocando a fuga das populações locais, de etnia Amhara, devido a perseguições políticas ou por terem sido, simplesmente, espoliadas das suas terras e dos seus bens. Segundo o relatório da AI e da HRW, são agora os tigrinos que têm de fugir das perseguições étnicas na região, realizadas pelas milícias e as forças de segurança do Estado vizinho de Amhara, que em setembro passado declarou oficialmente o recrutamento de “jovens” com mais de 13 anos para participarem no conflito.
As denúncias sobre a guerra contêm descrições de execuções sumárias, violações, bombardeamentos a alvos civis como hospitais, escolas e locais de culto e vêm na sequência de um outro relatório do passado mês de novembro do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, em que se denuncia a “brutalidade extrema” do conflito. De acordo com o Programa Alimentar Mundial, da Organização das Nações Unidas (ONU), o conflito na região criou uma grave crise humanitária que afeta cerca de 9 milhões de pessoas carentes de ajuda alimentar.
Grande Etiópia e federalismo étnico
Até ao momento, nem a União Africana, nem a ONU, nem as grandes potências têm revelado capacidade de mediação entre os beligerantes. Ao contrário, os riscos de internacionalização do conflito são cada vez maiores à medida que a guerra se arrasta, a exemplo do que aconteceu já com a Eritreia e o envolvimento indireto de países como a Rússia, o Azerbaijão e a Turquia, ameaçando ainda a estabilidade regional em países como o Sudão, o Djibuti ou a Somália.
Uma das causas do conflito na Etiópia resulta dos problemas resultantes da tentativa do primeiro–ministro, Abiy Ahmed, Prémio Nobel da Paz pelos seus esforços para a reconciliação entre a Etiópia e a Eritreia, ter tentado, depois da sua vitória eleitoral em 2018, criar um projeto nacional de uma Grande Etiópia como alternativa ao federalismo étnico vigente na organização do Estado.
Nesta linha de atuação, Abiy Ahmed, de etnia Oromo, prometeu reformas democráticas e procurou limitar o poder dos tigrinos nas estruturas do Estado, que foi governado durante 25 anos pela FLPT. Com a covid-19, Abiy adiou indefinidamente as eleições previstas para 2020, mas o governo regional do Tigré decidiu avançar com uma consulta regional que não foi reconhecida por Adis Abeba. Um ataque das forças da FLPT a um quartel do exército etíope desencadeou o conflito que dura há 17 meses.
Texto: Carlos Camponez