“Os soldados ruandeses mostraram um grande respeito pelos nossos cidadãos. São amados e respeitados”, disse o presidente moçambicano Filipe Nyusi numa cerimónia em setembro do ano passado na Base Naval de Pemba, capital da província de Cabo Delgado, assolada há vários anos por uma rebelião jihadista. Ao lado de Nyusi estava Paul Kagame, presidente do Ruanda, país da África Central ao qual as autoridades de Maputo confiaram a principal tarefa de combater o terrorismo islâmico no norte do país. E, ao que parece, com sucesso.
A escolha do Ruanda como principal fornecedor de tropas (mil militares) para a operação internacional em Cabo Delgado, apesar de contributos também da África Austral e europeus, tem a vantagem para Moçambique de não envolver um país vizinho, com interesses óbvios geopolíticos, mas também se baseia na fama de eficiência dos ruandeses.
Com efeito, as forças armadas ruandesas, com origem nos rebeldes da Frente Patriótica do Ruanda (FPR) que em 1994 travaram o genocídio dos tutsis, são hoje chamadas com regularidade a integrar contingentes de capacetes azuis, ao ponto do pequeno país africano (13 milhões de habitantes, área três vezes mais pequena do que Portugal) ter no início de 2022 cerca de 5200 militares ao serviço da Organização das Nações Unidas (ONU). Mais, só o Bangladesh, o Nepal e a Índia. Na última década, foram dez mil os soldados ruandeses que contribuíram para operações de paz em vários teatros de guerra.
Os ruandeses, sob as cores da ONU, destacaram-se no Darfur (operação Minuad), no Sudão do Sul (Minuss) e na República Centro-Africana (Minusca). Disciplinados e considerados bem treinados (até há cursos na academia militar para oficiais com ambição de servir a ONU), os ruandeses conseguem assim uma boa remuneração, o que é um grande incentivo a manter os altos padrões de profissionalismo que desde sempre o presidente Paul Kagame, um dos fundadores da FPR e patrono da reconciliação entre tutsis e hutus, exigiu.
País acarinhado pelo Ocidente, sobretudo os Estados Unidos da América, o Ruanda tem aproveitado a reputação dos seus soldados ao serviço da ONU para os enviar em acordos bilaterais, não só com Moçambique mas também com a República Centro-Africana, ao ponto de nas presidenciais de dezembro passado haver militares ruandeses ao serviço da Minusca a assegurar o normal funcionamento das eleições e outros, numa missão especial negociada entre Bangui e Kigali, a proteger o presidente-candidato Faustin-Archange Touadera, que acabou por vencer.
As forças armadas ruandesas, depois de terem posto fim ao genocídio no seu país, revelaram também grandes dotes militares quando entraram no Congo para combater as milícias extremistas hutus que se escondiam entre os dois milhões de refugiados. Mas ganharam má fama ocasional nessas incursões além-fronteiras, o que obrigou os comandantes a apertarem com a disciplina. Hoje, o Ruanda dá formação a militares de vários países africanos, o que reforça o prestígio e influência do país a nível continental, com dividendos diplomáticos e económicos.
Entre os ensinamentos do Ruanda aos outros países africanos está o umuganda, que os próprios militares promovem: são trabalhos de interesse coletivo que devem juntar membros de etnias rivais de modo a contribuir para a unidade nacional, uma fórmula usada para reconciliar tutsis e hutus e muito prezada por Kagame, que graças a tudo isto foi em 2018 eleito presidente da União Africana e tem ambições de protagonismo bem acima do tamanho da sua pátria, indiferente às críticas de se querer eternizar no poder.
Texto: Leonídio Paulo Ferreira, jornalista do DN