Quando cheguei a Portugal, pela segunda vez, em 2015, a vontade que trazia, sobretudo para prosseguir uma formação académica e continuar a minha vida cheia de positivismo, era invejável, pois considero que é uma obrigação para qualquer jovem com condições neste mundo, investir na formação académica e humana para ajudar na construção de um mundo mais salubre.
Meses após ter convivido no seio de certos familiares, onde os requintes de malvadez pairavam sobre mim por tentar manter o meu rumo e atingir os meus objetivos, as minhas motivações de permanecer ali começaram a diminuir, porque sempre convivi com a minha mãe e irmãs num ambiente saudável. Nunca soube lidar com a maldade. Durante este período, em que desapareceu o meu cartão de estudante que dava acesso à biblioteca da faculdade, em que encontrei as lentes dos meus óculos riscadas, em que roubaram o carregador do meu computador, e em que fui declarado numa guerra infinita por parte de um dos irmãos da minha mãe, nunca abandonei a minha fé. No entanto, achava que permanecer naquela situação poderia culminar em outras situações resultantes da insatisfação, que prejudicavam a minha vida.
Cheguei à comunidade dos Missionários da Consolata no Cacém, em Lisboa, através das diretrizes com que Deus me presenteou, porque nunca tinha conhecido a congregação, nem pensava que o propósito de Deus seria o de eu viver naquela casa três anos. Durante as inúmeras viagens de comboio na linha de Sintra, do Cacém para Lisboa e vice-versa, a providência divina mostrou-me esta família. No dia em que conheci a Consolata estava sozinho a andar no caminho por detrás da casa dos missionários e a rezar. Pensava que não havia solução. Fui acolhido pelo padre Ermanno Savarino, o então superior da comunidade dos Missionários da Consolata no Cacém, pelo padre Bernard Obiero, que naquela altura tinha acabado de regressar de uma missão no meu país – Guiné-Bissau – e pelo irmão Gerardo Secondino, que esteve muitos anos em Moçambique.
A Semana Santa de abril de 2017 contribuiu muito para a minha integração na comunidade e para o meu crescimento a nível religioso e humano. A minha vida tomou outro rumo. O entusiasmo e a felicidade começaram a retornar. Conviver com pessoas boas faz-nos crescer e retomar as energias positivas. Ganhei uma nova família. Os Missionários da Consolata assumiram o meu encargo, contribuindo no que fosse necessário para poder aprender a viver na comunidade e, posteriormente, ser mais autónomo e saber fazer autogestão. A minha paz de espírito restabeleceu-se, e convivi lindamente em família com cinco seminaristas, e a equipa formadora. Nunca fui excluído desta família, pois cada um dava o seu contributo, consoante as suas possibilidades. Fiz amizades com missionários, leigos e funcionários. Marcou-me o facto de viver na interculturalidade e saborear a plenitude da hospedagem de muitas pessoas de bem. Tenho boas lembranças de todos os que por lá passaram. É uma graça ser albergado na comunidade dos Missionários da Consolata.
Genuína empatia
Quando chegaram os jovens refugiados Salim, Ismail e Bright, fiquei muito contente. Concluí que a vida é linda. A dinâmica da comunidade cresceu e aprendemos a solidarizar-nos uns com os outros. Tornei-me ainda mais útil por partilhar um pouco de conhecimento da língua portuguesa. Senti-os como irmãos. Gostei da forma como eles se adaptaram na comunidade.
Os missionários estiveram presentes em todos os momentos em que me encontrava em baixo, disponíveis para ajudar, a dar força e a fazer-me acreditar na minha suplantação. Tive o privilégio de conviver também com o padre Norberto Louro, recentemente falecido, e que nos deixou uma lembrança de simpatia e sabedoria.
Foi também graças à Consolata, que se realizou o Encontro Nacional de Estudantes da Guiné-Bissau, um evento de grande envergadura que juntou os estudantes guineenses em Portugal, para discutir diversos assuntos académicos, entre os dias 28 e 30 de junho de 2019. Os participantes ficaram marcados com o bom acolhimento.
Sou filho da comunidade
Dia 30 de setembro de 2020, a comunidade celebrou uma Missa, não de despedida, mas sim do meu envio para uma nova missão – a autonomização, após a saída da casa dos missionários da Consolata, depois do acolhimento e apoio que me prestaram. Dei assim um novo passo na minha vida. Vivo e trabalho agora em Lisboa. Não me arrependi por seguir a trajetória de Deus. A vida em si é uma missão, e vale a pena aprender a ser missionário, convivendo na interculturalidade e no diálogo inter-religioso.
Texto: Adilson Rafael Vieira, jovem natural da Guiné-Bissau