Convidada a intervir num recente encontro organizado pela Impossible – Passionate Happenings, uma mulher de etnia cigana fez notar aos participantes que os ciganos não são todos iguais, que há de facto quem trabalhe, quem procure ganhar o seu pão honestamente, e quem não consiga que essa oportunidade lhe seja dada, sendo esta seu direito. E relatou, voltando a si, que sempre que se candidata a uma ocupação remunerada, e a consegue, se vê repetidamente obrigada a esconder a sua etnia, com receio que seja imediatamente despedida.
Este, como outros testemunhos, sobre como diferentes comunidades são acolhidas e tratadas entre nós, são reveladores do quão distante estamos de uma sociedade liberta do preconceito, capaz de cuidar de forma diferenciada o que é verdadeiramente diferente, e inclusiva de todos.
O acolhimento de refugiados ucranianos, por países vizinhos e outros mais distantes, trouxe novamente ao de cima o que encheu de orgulho milhares de civis, organizações e Estados, e é certamente real manifestação do que a humanidade tem de melhor: a sua solidariedade e empatia em momentos de crise. Mas o mesmo cuidado também se tornou revelador da disparidade de critérios no acolhimento de outras pessoas refugiadas, oriundas de outros países, e em paralelo, no tratamento de residentes em Portugal em situação de pobreza e exclusão social.
Os ciganos não podem ser cidadãos de segunda, assim como sírios, afegãos, líbios, e pessoas no limiar da pobreza, com salários e pensões desumanas, não podem ser ignoradas e deixadas à sorte ou azar do seu próprio destino. A verdadeira deceção de um qualquer Governo está na sua incapacidade de garantir a todos, sem exceção, mínimos de bem-estar.
Com uma pandemia longe de se ver ultrapassada, com os efeitos de uma inacreditável e sangrenta guerra, com o escalar da inflação e crescente custo de vida, a atenção aos outros, sobretudo aos que por razões estruturais persistem nas suas carências, fragilidades, doenças, não pode ser abordada levianamente. Não é de todo aceitável, que num momento de crise, como este, uns continuem a enriquecer e a viver como se nada fosse, e a grande maioria a empobrecer, e a ter de contar os míseros cêntimos nas suas carteiras para comprar o pão para os seus filhos. Portugal, a Europa, o mundo no seu todo, terão de fazer muito mais, porventura o impossível, para que a desolação já implantada e a que está gradualmente a entrar em milhares de novas casas, seja, se não resolvida, pelo menos mitigada.