A Índia celebra este 15 de agosto os 75 anos de independência como moderna nação (apesar da sua civilização remontar ao segundo milénio a.C.) e por muito pouco a data não coincide com a sua ultrapassagem demográfica à China, tornando-se o mais populoso país do mundo. Empatados agora os dois gigantes asiáticos, com 1400 milhões de habitantes cada, 2023 será o ano em que os indianos irão finalmente tornar-se mais numerosos do que os chineses.
Para Narendra Modi, primeiro-ministro desde 2014, a competição com a China, contudo, é outra, a da economia. Em 2021, a economia indiana cresceu 8,9 por cento e este ano as previsões são de 8,1 por cento, ou seja pela segunda vez acima da taxa chinesa, se bem que se tenha que ter em conta que em 2020 a pandemia da covid-19 causou recessão na Índia. Mas com a economia mundial afetada pela guerra na Ucrânia e as sanções ocidentais à Rússia, percebe-se que a Índia está em condições conjunturalmente mais favoráveis do que a China, que também sente dificuldades de ultrapassar a questão da covid-19, presa na sua política de casos zero.
Modi, assim como os economistas indianos, chineses e do mundo em geral, sabem que a possibilidade da Índia competir com a China a médio prazo se baseia muito na vantagem demográfica. Não no ter mais população em absoluto, mas sim no facto de ter uma maior proporção de população ativa, e um reservatório muito promissor de jovens, mesmo que o número médio de filhos por mulher esteja a aproximar-se dos dois, fruto de mais educação e das políticas de planeamento familiar. A China, que abandonou a política de filho único, não consegue agora convencer os casais a terem dois filhos, o necessário para a substituição das gerações.
Não é só com a China (segunda economia mundial, depois dos Estados Unidos da América) que esta Índia prestes a celebrar 75 anos está em concorrência simbólica. Também foi muito celebrada a passagem da economia indiana a quinta mundial em 2019, à frente da britânica, mesmo que os antigos colonizadores continuem muito mais ricos em termos per capita, pois são pouco mais de 60 milhões para um PIB (tal como o indiano) na ordem dos 2,7 biliões de dólares.
Até ao século XIX, quando se dá o apogeu da colonização da Índia e da semicolonização da China, os dois grandes países asiáticos eram as maiores economias do planeta. Mas a imposição dos produtos europeus destruiu muitas indústrias asiáticas, e não é por acaso que Gandhi usava a roca de fiar como símbolo da resistência: afinal, os indianos tinham deixado de ter têxteis e passaram a importar tecidos britânicos, alimentando a revolução industrial na região inglesa do Lancashire.
Depois da independência, em 1947, marcada pela simultânea criação do Paquistão, a Índia afirmou-se como a maior democracia do mundo. Apesar de ser de maioria hindu, assumiu o laicismo, e o Congresso, partido dominado pela dinastia dos Nehru-Gandhi, encarna até hoje essa filosofia de nação. A democracia tem sido essencial para preservar a unidade do país, pois a diversidade é enorme, basta pensar que se o hindi é a língua oficial, o bengali ou o tâmil são idiomas de grande expansão também. Por seu lado, o laicismo tem permitido que minorias como os cristãos (30 milhões), os sikhs (20 milhões), os budistas (10 milhões) ou os jainistas (cinco milhões) se sintam cidadãos plenos, por entre a massa enorme de hindus (mais de mil milhões) ou de muçulmanos (200 milhões ou mais). Mas uma das grandes críticas feitas ao governo do partido nacionalista hindu BJP, de Modi, é promover a hinduidade como a verdadeira indianidade, sobretudo hostilizando os muçulmanos, descritos pelos sectores mais extremistas como descendentes de invasores. É uma atitude que arrisca dar força à tese da necessidade da criação do Paquistão no momento da partida dos britânicos, como se o sonho de Jawaharal Nehru e do Mahatma Gandhi de uma Índia plural não fosse realizável, mesmo que monumentos como o Taj Mahal simbolizem a síntese cultural do país. Mas um partido em crise como o do Congresso, que insiste na família de Nehru como candidatos a primeiro-ministro, tem poucas possibilidades de contrariar Modi, apesar de ser defensor da diversidade indiana.
Além das tensões religiosas internas (e também da rivalidade com o Paquistão, que já originou três guerras), o grande desafio da Índia é continuar a fazer milhões e milhões de pessoas sair da pobreza, ainda que a um ritmo bem mais lento do que a China conseguiu. E nessa luta contra a pobreza inclui-se também a necessidade de acabar de vez com o sistema de castas, que perpetua a desgraça dos dalits, os antigamente chamados intocáveis. Apesar de proibidas pela Constituição, e até de já ter havido presidentes indianos oriundos da comunidade dalit, as castas estão fortemente enraizadas na sociedade.
Texto: Leonídio Paulo Ferreira, jornalista do DN