Quase no final e no virar de mais uma década, a pergunta que me acompanha desde sempre, neste ser que é tempo.
Não é possível existir senão pelo agir. Viver ou sobreviver neste planeta nunca se revelou compatível com a inércia, nem sequer com aquele “estado” que parece anteceder a decisão de “agir” ou “nada fazer”, e que não é nenhum destes momentos. Mas sempre me questionei, face à necessária manutenção do nosso alento, e por ela, no adiar da morte, se outra ação seria igualmente inevitável, aquela pela qual ainda hoje as pessoas se elevam nos ares, orgulhosas e satisfeitas (ou não) por terem escalado degraus que nunca existiram, senão pelos pés que lhes conferiram a verticalidade da escada.
Mas terá a espécie humana alguma vocação, alguma missão? Terá ela de ser pai, mãe, empregado de balcão, jornalista, filósofo, mestre, oleiro, engenheiro, astronauta, palhaço, médico ou malabarista? Dependerá o simples respirar de alguém do reconhecimento que advenha de algum tipo de realização? Para lá da sua “condenada” gestão, terá a existência humana de fazer outro sentido, senão este? E dependerá esta de um obcecado culto de si, que tem nos outros, os olhos do narciso que se olha continuamente ao espelho?
Se é já por si só “penosa” a procura do pão que alimenta o corpo em cada dia, agora imaginemos o quão doentio e causa de todos os nossos males é o palco onde cada um se vê compelido a fazer prova diária da sua vida. Mas o que será que verdadeiramente manifesta, certifica que existimos? Ou como terá de ser a procura do alimento quotidiano, para que o tempo que o pão compra consiga sobretudo ser a “quietude” que não conhece nenhum tipo de mal-estar estranho à própria vida?
Ser alguém, no fundo, ser por decreto dos olhos de outros, é a tragédia que à nascença é imposta ao existir de cada um. Esta a raiz de todos os nossos males, aquele que mesmo que seja de sucesso na doença, não deixa de ser “vaidade das vaidades”, e talvez por isso, o que à vida não é de todo necessário.
Assim, numa resposta à questão que me acompanha há uma vida, talvez algum traço de vocação ou de missão exista apenas numa gentil, empática e recíproca procura do pão e na sua celebração.
À luz da sua obra, não só a eternidade de alguém nesta terra é ridícula, como o pensava Saramago, mas também o seu reconhecimento o é, por algum tempo, pois não só não é necessária a “obra”, como não depende dela o tempo que é ser na dádiva não operosa.