Há um conjunto de expressões que o Papa Francisco usa com alguma frequência nos seus discursos e que ficarão para sempre associadas às suas mais sentidas preocupações, aos grandes temas do seu pontificado e ao seu estilo. “Ninguém pode salvar-se sozinho” é uma delas. Não é que no geral as gerações de hoje não tenham perfeita noção que sozinhas não vão a lado nenhum, mas o Papa faz questão de lembrá-lo, e ao fazê-lo faz referência à nossa condição de seres interligados, tal como os órgãos do corpo que dependem uns dos outros.
A expressão do Papa também se liga à nossa sociabilidade, sendo que este “ser-social” está na génese da nossa vida em família, e existência em grupo, bandos, tribos, reinos, nações, sociedades e comunidades. A relação de uns com os outros não nasce de uma moda, da mania de um tempo, mas de uma profunda necessidade, face ao facto de não nos podermos fazer valer sozinhos. Entre os mamíferos, o ser humano é um dos poucos que não resiste, se não for imediatamente assistido e cuidado à nascença.
Os “outros”, onde estamos todos, podem não ser de trato fácil. Não o são, mas neles não encontramos uma “condenação” ou o “inferno”, como o escrevia Jean-Paul Sartre. É por não serem fáceis, que as verdadeiras comunidades rareiam e são difíceis de manter, obrigando, a sua manutenção, a uma relação de cooperação continuada, a um compromisso que necessita de se renovar cada dia. É na “comunidade” que a nossa experiência de ser individual, que sabe o que significa estar em dificuldade ou sentir-se só, se ilumina e apazigua.
“Salvar-se”, nesta mesma expressão do Papa, significa afrontar, pelo diálogo-cooperante com os outros, sobre o que nos possa fazer mal ou colocar em risco. Falamos de doença, mas também de calamidades naturais, alterações climáticas, desemprego, migrações, pobreza, exclusão, baixos rendimentos, perda do poder de compra, conflitos, guerra, humilhação, abandono, perda de sentido e de pertença, ou do “descarte”, nas palavras do Papa Francisco, de uma economia que continua a não incluir e a maltratar (matar) a vasta maioria dos seres humanos, e com eles a terra e a sua diversidade. “Ninguém pode salvar-se sozinho” é também o título da mensagem do Papa para o Dia Mundial da Paz. Assim, o Papa faz uma vez mais apelo à construção de uma coexistência pacífica pela justiça, de uma fraternidade global que cuida, que a todos salva, e não exclui ninguém.