António Marujo, jornalista do setemargens.com

Basta olhar apenas algumas das trágicas realidades do nosso tempo. Há pelo menos umas 40 guerras de grande dimensão (civis, regionais, étnicas, transfronteiriças), em todo o mundo. Vimos, no entanto, a imagem de Putin a celebrar (?) – sozinho – o Natal cristão, enquanto os mísseis russos matam pessoas como nós.
Em 1989, quando o Muro de Berlim foi derrubado, havia 16 muros como aquele; hoje, são pelo menos 65 – vários deles na Europa, que continua a erguer barreiras a quem busca refúgio seguro e comida.

No relatório “A sobrevivência dos ricos”, a Oxfam nota que, de toda a riqueza gerada na Terra desde 2020, um por cento dos habitantes do planeta ficou com o dobro do que receberam os “restantes” 99 por cento; e o actual dono do Twitter, Elon Musk, paga menos impostos do que um pequeno comerciante do Uganda.

A década de 2006-2015 foi a mais quente da história e a emergência climática é já a mais grave crise de todos as que atravessamos. Poderíamos acrescentar à lista os imorais gastos em armamento, a escravatura que persiste, a violência doméstica… Mas como se resolvem estes problemas – ou a falta de ética, de que temos tido tristes exemplos em Portugal?

Se não houver cristãos, crentes e pessoas de boa vontade com o sentido de humanidade e bem-comum, não sairemos do atoleiro. Enquanto deixarmos a política (partidos, sindicatos, associações, organizações ou a simples intervenção cívica) apenas nas mãos dos putins, bolsonaros, trumps ou erdogans deste mundo, continuaremos a ter guerras e sofrimento – e a deixar espaço para a demagogia da extrema-direita, que enche a boca com o cristianismo para melhor o contrariar.

Na Laudato Si’, o Papa escreve: “são inseparáveis a preocupação pela natureza, a justiça para com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz interior”. Na Fratelli Tutti, propõe um programa político inspirado no bom samaritano. Em 2013, ele afirmava a alunos dos jesuítas: “Para o cristão, é uma obrigação envolver-se na política, [que] é uma das formas mais altas da caridade, porque busca o bem comum. (…) a política está muito suja (…) porquê? Não será porque os cristãos se envolveram na política sem espírito evangélico?”

Maria de Lourdes Pintasilgo escrevia: “Para o homem espiritual, a grande questão face à política não é a distinção entre o sagrado e o profano. É, antes, a relação íntima entre a mística e a política”. Quando entenderemos essa relação e a necessidade de, pela política, chegarmos à mística mais profunda?

Texto escrito segundo a anterior norma ortográfica