No Quénia, à medida que as eleições gerais de 2022 se intensificavam, também a seca se agravava. Aquele país da África Oriental está fortemente dependente da agricultura alimentada pela chuva, tanto para a exportação de produtos agrícolas como para a agricultura de subsistência. As habituais chuvas de abril falharam em 2022. As chuvas de outubro a dezembro também, o que resultou em 12 meses sem chuvas suficientes, com a maioria dos agricultores a sofrer graves perdas.
Avisos meteorológicos debilitados
De acordo com meios de comunicação quenianos, o departamento meteorológico do país não tem capacidade para dar previsões meteorológicas precisas devido ao financiamento inadequado para permitir a utilização de tecnologias modernas. Os agricultores continuam a não receber avisos importantes, deixando as suas explorações vulneráveis a enormes perdas, à medida que os padrões meteorológicos vão mudando e se tornam mais imprevisíveis.
Perdas massivas
Segundo o portal informativo ‘Relief Web’, os agricultores quenianos sofreram perdas maciças. Já morreram mais de 2,4 milhões de cabeças de gado de que as famílias pastoris dependem. Em Marsabit, no norte do Quénia, as comunidades perderam mais de 121 mil ovelhas e cabras, 35 mil camelos e 38 mil bovinos no último trimestre de 2022.
Numa das minhas viagens da capital, Nairobi, para Eldoret, no Vale do Rift, por estrada, vi que o que antes era uma savana verde, se tinha transformado em terra ressequida com animais como zebras e antílopes a mordiscar em tocos secos de erva. Nessa altura do ano – março e abril – a estação das chuvas iria definir a paisagem do Vale do Rift como um paraíso de rios límpidos, pastagens verdes e terras agrícolas cheias de culturas. Para esse ano, dava-se o contrário. Terras agrícolas nuas e ocasionais, e nuvens de poeira sopradas pelos ventos.
Na parte oriental do país passou a ser normal ver grandes manadas de gado em movimento em busca de pastagens, à medida que as lagoas comunitárias de água iam secando. Tornou-se comum ver camiões que transportam fardos de feno seco, à medida que a alimentação animal escasseava. Na minha cidade natal, Nairobi, a farinha de milho, que é a base da dieta, passou a ser vendida pelo dobro do preço. As subidas de preços atingiram muitos outros alimentos de consumo habitual, como arroz e óleos vegetais.
Na região do Corno de África que compreende a Somália, Etiópia, Eritreia, Sudão, Djibuti, e Sul do Sudão, a Organização das Nações Unidas (ONU) tinha apontado para graves carências alimentares que causaram malnutrição e mortes de pessoas e animais. Relatórios das Nações Unidas referem que em dezembro de 2022 o número de crianças que sofriam de subnutrição mais do que duplicou. “Cerca de 20,2 milhões de crianças estão sob ameaça de fome severa, sede e doenças, como consequência das alterações climáticas, conflitos, inflação global e escassez de cereais que devasta a região”, indica o documento.
Na Nigéria, a maior economia e produtora de petróleo de África, muitas famílias sofrem devido ao aumento dos custos dos alimentos. Em agosto de 2022, os preços de alimentos básicos como o arroz, pão e carne de vaca aumentaram mais de 200 por cento. A pior crise de escassez alimentar assolou a Somália, Etiópia e Sul do Sudão. Estes países sofreram uma grave seca em 2022. A fome resultante afetou diretamente as famílias, tendo a única intervenção sido a ajuda alimentar. Mudanças climáticas imprevisíveis, convulsões políticas e mau planeamento económico continuaram a fazer subir os preços dos alimentos em muitos países de África e do mundo.
Guerra no pós-pandemia
Durante a pandemia em 2020, muitos governos tinham concedido reduções fiscais que diminuíram os custos de produtos básicos e alimentares. A pandemia, no entanto, deixou muitas economias à beira do colapso. Quando muitos países estavam a começar a recuperar, irrompeu a guerra entre a Ucrânia e a Rússia que veio assumir um papel central, ainda antes de muitos países terem reencontrado o seu pleno vigor após a pandemia, com a agravante do facto de a Ucrânia ser um grande exportador de cereais para África.
Mudanças na cultura de produção
Muitas das minhas memórias de infância dizem respeito a momentos na quinta com os meus avós e membros da família alargada que trabalhavam a terra. A nossa grande quinta tinha cerca de quatro hectares. Cultivávamos muitos tipos de alimentos como bananas, batata-doce, feijão, milho e muitas variedades de vegetais tradicionais. Como muitas outras famílias, tínhamos um grande armazém de cereais que ficava cheio em cada época de colheitas. As épocas de sementeiras e colheitas eram percetíveis, uma vez que eram determinadas por ciclos bem conhecidos.
Hoje, muitas famílias cresceram e a terra foi subdividida, reduzindo os lotes de terreno para a produção de alimentos. Além disso, muitos jovens continuam a migrar para as vilas e cidades onde a agricultura não é uma atividade económica importante. Muitos jovens procuram empregos nas cidades, reduzindo a agricultura a uma atividade para reformados e idosos, o que tem um grande impacto na quantidade de alimentos produzidos. A maioria das famílias rurais praticam uma agricultura para a sua sobrevivência. A agricultura comercial do Quénia destina-se a abastecer os mercados estrangeiros. Muitas famílias também mudaram as suas escolhas alimentares. Passaram de refeições tradicionais africanas para escolhas europeias ou orientais, o que significa que há menos procura de alimentos básicos africanos como mandioca, painço, sorgo e vegetais tradicionais, incluindo ervas amargas.
Os artigos importados, como produtos
de trigo refinados e outros alimentos processados, que são relativamente caros e menos nutritivos, tornaram-se uma escolha que está na moda. Os alimentos rápidos, muitos deles fritos, tornaram-se favoritos para as populações urbanas. Estas mudanças influenciaram negativamente a produção de alimentos.
Consequências da exportação
Os dados mostram que a agricultura domina a economia queniana, representando 40 por cento da mão-de-obra nacional (70 por cento da mão-de-obra rural) e cerca de 25 por cento da mão-de-obra ao longo do ano. As principais exportações agrícolas do país são chá, café, flores e legumes, e o mercado alimentar local depende de alimentos importados, como o trigo da Ucrânia. Grande parte da terra arável do Quénia é dedicada a culturas de exportação que não contribuem para criar segurança alimentar. Culturas como o arroz, que é cultivado em grande escala no Leste do país, continuam a enfrentar a feroz concorrência das importações estrangeiras baratas. Isto desencoraja os agricultores e leva-os a não aumentar a produção desta valiosa cultura.
Noutro país africano, a Nigéria, as culturas para a exportação, tais como sementes de cacau, de sésamo e castanhas de caju, encabeçaram a lista de produtos agrícolas que aquele país comercializou em 2022. Durante esse ano, o país importou mais produtos agrícolas do que aqueles que exportou, criando um défice comercial. De acordo com a Nairametrics, uma publicação de notícias empresariais nigeriana, o gigante da África Ocidental na produção de petróleo e gás, registou um défice comercial na agricultura de 564,4 mil milhões de nairas, a moeda nacional.
Efeitos da guerra
Como muitos países africanos maximizam a exportação de culturas de rendimento bruto não transformadas para obter divisas, os alimentos para consumo diário são principalmente importados. Economistas ao longo dos anos têm citado o baixo valor da maioria das moedas africanas em comparação com as principais moedas comerciais mundiais como o dólar americano, a libra esterlina e o euro. Isto cria um desequilíbrio comercial, tornando as importações caras a longo prazo. Embora durante muito tempo a importação de alimentos tenha sido barata em muitos países africanos, desencorajando assim a produção local de alimentos, a guerra na Ucrânia, que perturbou as importações baratas, abriu um novo capítulo para o abastecimento alimentar.
Quarenta por cento do abastecimento alimentar de África sob a forma de cereais é importado da Ucrânia. Isto representa cerca de metade das necessidades alimentares do continente. Esta forte dependência de fontes de alimentos no estrangeiro tornou-se uma ameaça à segurança alimentar. A guerra na Ucrânia perturbou seriamente o fornecimento de alimentos, deixando muitos estados africanos sem uma fonte alternativa fiável de alimentos.
Como manter celeiros cheios?
Para alimentar o mundo e não apenas a África é necessário um esforço coletivo de todos os governos. Com o agravamento das condições climáticas, intervenções de curto prazo como a utilização de água subterrânea para irrigação para aumentar a produção de alimentos, pode proporcionar algum alívio. A longo prazo, a restauração das coberturas florestais e a recuperação das zonas húmidas poderá devolver o equilíbrio nos padrões de precipitação.
A agricultura de sequeiro torna possível a produção de alimentos, mesmo para aqueles que podem não dispor de equipamento e técnicas de irrigação. O conflito na Ucrânia tem ensinado ao mundo uma dura lição, ao esvaziar o nosso principal cesto de cereais. A agricultura comercial em grande escala tem mostrado que esta pode criar desequilíbrios no abastecimento alimentar, encorajando uma forte dependência de importações de alimentos baratos. As políticas económicas devem assim favorecer a produção local de alimentos em todos os países.
Texto: Frenny Jowi