Ninguém é igual a ninguém, mas Francisco dá toques de originalidade. Nota-se uma lufada de ar fresco nos documentos pontifícios, nas visitas, nas assembleias sinodais sobre a família, a Amazónia e os jovens, na ousada reforma da Cúria, nas entrevistas e escritos, nas linhas de combate aos abusos, na opção clara pelos migrantes, refugiados, perseguidos e outros descartados, na sua visão sobre economia, política e sociedade, na valorização do ecumenismo e diálogo inter-religioso, na simplicidade e alegria do seu ser e atuar. São dez anos de uma respiração eclesial diferente, com uma aposta clara na sinodalidade e no combate a tudo quanto desfigura o rosto da Igreja. Dá uma colaboração gigante na construção de uma Igreja credível, encurtando distâncias. Está a provar que a Igreja faz falta, tentando acreditá-la dentro e fora de portas.
Viagens cirúrgicas
Paulo VI ousou sair de Itália, João Paulo II universalizou estas viagens apostólicas, Bento XVI deu continuidade e o Papa Francisco já lá vai com 40 saídas ao encontro das periferias e das margens da história, tendo visitado o Bahrein, Cazaquistão, Tailândia, Iraque, Japão, Marrocos, Emiratos Árabes Unidos, Myanmar, Bangladesh, Egipto, Geórgia, Azerbaijão, Sri Lanka, Terra Santa e Turquia. Só mesmo a aposta no diálogo entre povos, culturas e religiões pode justificar tais visitas que mostram que, para Francisco, o mundo é um espaço sem fronteiras e a fraternidade é uma palavra-chave.
A força dos documentos pontifícios
Francisco tem ajudado o mundo e a Igreja a olhar para a alegria do evangelho, do amor, da ecologia, das bem-aventuranças… Há uma convicção profunda de que sem justiça não há felicidade. A exortação apostólica ‘A Alegria do Evangelho’ foi recebida como algo de muito original, se atendermos ao facto de ser um documento programático. É nova nos conteúdos, nas focagens e no estilo.
Ecologia integral e fraternidade universal
Na encíclica ‘Laudato Si’ é apresentado o conceito de ‘ecologia integral’, pois há que amar os pobres e respeitar a natureza, a nossa casa comum. O filme ‘A carta’, recentemente realizado, mostra os efeitos dramáticos das alterações climáticas na vida dos mais pobres e faz um apelo a uma conversão ecológica global, combatendo a poluição, ajudando os mais frágeis e escolhendo um estilo de vida simples e fraterno. Já a encíclica ‘Fratelli Tutti’ resulta da convicção profunda do Papa sobre a importância decisiva da fraternidade humana, depois de ter assinado o documento de Abu Dhabi.
O futuro no planeta jovem
Vindo de um continente jovem, mas onde os mais novos têm o futuro comprometido, é normal a sua opção pelas novas gerações. Na Jornada Mundial da Juventude (JMJ) em Cracóvia, o Papa pediu aos jovens que abandonassem o comodismo fácil do sofá. Disse: “Este tempo aceita apenas jogadores titulares em campo, não há lugar para suplentes. O mundo de hoje pede-vos para serdes protagonistas da história, porque a vida é bela desde que a queiramos viver, desde que queiramos deixar uma marca”. Em Lisboa, a JMJ pretende ser a mais ecológica de sempre e, para tal, existe o simbólico gabinete ‘Diálogo/Proximidade’, com o objetivo de assegurar que a JMJ aplica os valores gravados na ‘Laudato Si’ e na ‘Fratelli Tutti’.
Gestos que apontam para o futuro
Lavar os pés a reclusas, viver em Santa Marta, deslocar-se num carro simples, rezar sozinho à chuva pelo fim da pandemia, fazer a primeira viagem a Lampedusa para chorar aqueles por quem ninguém chora, beijar os pés dos líderes desavindos do Sudão do Sul, deixar-se entrevistar, aprofundar os encontros de Assis, gritar que a guerra é sempre uma derrota para a humanidade, apostar numa educação e numa economia que não matem e chorar na oração pelas vítimas na Ucrânia, são um conjunto de atitudes que fazem de Francisco um homem sem medo de expor o peito às balas. O futuro da Igreja e da humanidade está na sinodalidade, neste caminhar juntos, em atitude de escuta e diálogo aberto, empurrados e inspirados pelo Espírito Santo que sopra quando, como e onde quer. Por isso, todos os tempos, lugares e pessoas são decisivos para a construção do mundo e da Igreja do amanhã.
Tony Neves, Texto conjunto MissãoPress