A crise humanitária vivida pelas comunidades do povo yanomami, recebeu, no início deste ano, grande visibilidade no Brasil e no exterior, mas esta situação não foi criada da noite para o dia. Há anos que a violência sofrida por este povo no seu território foi denunciada pelas lideranças indígenas e parceiros a todas as autoridades dos poderes do Estado e instâncias internacionais de direitos humanos.
As consequências da invasão do território yanomami por milhares de garimpeiros, que desenvolvem atividades ilegais, associadas a grupos criminosos, geraram devastação ambiental, impactos sobre as comunidades indígenas e o colapso sanitário, que levaram o atual governo federal a declarar, no final de janeiro de 2023, uma situação de emergência de saúde pública no território yanomami.
Entre os impactos do garimpo na Terra Indígena Yanomami (TIY) estão a desflorestação, contaminação das águas e solos, mortes associadas à violência do garimpo, violência sexual, instigação a conflitos, distribuição de armas, drogas e álcool, destruição de roças e recursos florestais, desaparecimento da caça, contaminação e morte de animais, aliciamento para o garimpo, epidemias provocadas pela presença de invasores que constituem vetores de doenças como malária, infeções respiratórias, covid-19, tuberculose, entre outras, impossibilidade de atuação de equipas de saúde e desvio de medicamentos.
Às consequências do garimpo ilegal somam-se os efeitos da falta de assistência sanitária provocada pela má-gestão do Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y), por corrupção e desvios de recursos já apurados por investigações policiais. Tudo isso provocou patologias como malária, afeções respiratórias, doenças intestinais e outras que semearam a morte entre os setores mais frágeis da população. Dados divulgados no início deste ano pela revista ‘Sumaúma’ mostram que nos últimos quatro anos o número de mortes de crianças com menos de cinco anos por causas evitáveis aumentou 29 por cento: 570 pequenos indígenas morreram por doenças tratáveis. Dados oficiais referem que os casos de malária decuplicaram nos últimos dez anos estando a situação, no começo de 2023, totalmente fora do controlo. Os dados, extremamente alarmantes, podem ainda ser resultado de subnotificações, devido às falhas no atendimento sanitário.
A atuação judicial e extrajudicial do Ministério Público Federal (MPF), particularmente desde 2017, procurou coibir as atividades ilegais de garimpo e outros ilícitos na terra indígena, promover a implementação de medidas necessárias à proteção dos seus habitantes e orientar a reestruturação da assistência de saúde prestada aos povos da TIY. Não obstante o ajuizamento das ações de cumprimento de sentença, houve – conforme o entendimento do MPF – “providências limitadas” por parte do Governo Federal, “omissão do Estado brasileiro” e “deficiência na prestação do serviço de saúde”. Acredito que a atual situação seja resultado de um projeto de morte que as autoridades competentes investigarão, a fim de esclarecer a possibilidade de ser tipificado como genocídio, por causa do incentivo às atividades ilegais de exploração minerária e a omissão referente à falta de assistência aos povos que habitam a TIY.
A declaração de emergência em saúde pública levou à criação do Comité de Coordenação Nacional para enfrentar a falta de assistência sanitária, do Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE-Yanomami), que está sob coordenação da Secretaria de Saúde Indígena (Sesai) e que terá a função de planear, organizar e controlar medidas durante o período de emergência, e da Sala de Situação, que inclui órgãos públicos e entidades da sociedade civil. Até ao início do passado mês de fevereiro, os órgãos públicos manifestaram a intenção de coordenar todas as ações.
Contudo, existem algumas dificuldades no estabelecimento de um diálogo oficial profícuo com as organizações da sociedade civil, particularmente com as organizações indígenas e indigenistas, com vista à implementação de ações eficazes para enfrentar a crise humanitária. Talvez este panorama mude com a melhor estruturação das ações. Com esse propósito, a diocese de Roraima está em diálogo com organizações indígenas para a elaboração de um plano que não se limite às ações de emergência imediatas, mas que contemple iniciativas de curto e médio prazo, voltadas para a reestruturação da assistência às comunidades yanomami. Este plano poderá ser implementado apenas depois da extrusão dos invasores e do reestabelecimento de condições de segurança.
Texto: Corrado Dalmonego