Entre dois a 2,5 milhões de pessoas estão em risco de fome por causa da guerra que, desde 15 de abril, pôs em confronto as forças leais ao general Mohamed Hamdan Dagalo e as tropas do exército sudanês, chefiadas pelo general Abdel Fattah Al Burhan. Segundo as Nações Unidas, a guerra afeta 40 por cento da população. A ONU prepara-se para lançar um plano de ajuda a 4,9 milhões de sudaneses.
A guerra resulta de uma luta de poder entre dois generais que, em 2019, puseram fim ao período de transição que se seguiu ao derrube do antigo presidente sudanês. Omar al-Bashir, que esteve no poder durante 30 anos, foi derrubado após um golpe militar, depois de meses de contestação. Os militares comprometeram-se então a iniciar um período de dois anos de transição para permitir a criação de partidos políticos, organizar “eleições honestas” e transferir o poder para os civis.
O processo foi interrompido com um golpe militar liderado por Abdel Fatah al-Burhan, em 2021, quando se aproximava o prazo para entregar o poder. Quer al-Burham, quer o seu agora rival Mohamed Hamdan Dagalo, foram aliados do ex-presidente Omar al-Bashir e são considerados responsáveis por crimes no conflito do Darfur, de 2003 a 2008, que conduziu à independência do Sudão do Sul.
Ouro, água e estratégia
Al-Burhan lidera as forças armadas sudanesas, com 300 mil homens. Mohamed Dagalo adquiriu poder por liderar um grupo de milícias. As Forças de Apoio Rápido (FAR) de Dagalo adquiriram um poder capaz de rivalizar com o exército oficial sudanês. Apesar de ter menos tropas (100 mil homens), está melhor armada.
Al-Burhan e Dagalo envolveram-se num conflito quando se tratou de dividirem o poder, no quadro de uma reforma do sistema de segurança do país. Em causa estava a integração das FAR no exército sudanês. Em meados de maio, quando a guerra se aproximava dos 600 mortos, um acordo de cessar-fogo foi assinado por ocasião do fim do Ramadão, mas surgiram acusações da sua violação.
Aquando do golpe de Estado que destituiu al-Bashir, a Aliança para a Mudança e a Libertação do Sudão, que engloba partidos e coligações da oposição, considerou que o “golpe militar” de 2019 foi organizado pelo “regime” para se manter no poder, após a queda do então presidente. Os factos acabaram por lhe dar razão. Os riscos de alargamento do conflito são assinaláveis. O Sudão é rico em ouro, controla parte dos recursos hídricos do rio Nilo e encontra-se numa zona estratégica de acesso ao Mar Vermelho, onde a Rússia pretende construir uma base naval.
Texto: Carlos Camponez