As propostas de paz para a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, apresentadas por uma delegação de seis países africanos em junho, foram acolhidas, logo à partida, como uma iniciativa ditada ao fracasso. Independentemente da validade das propostas, cujos pormenores não foram divulgados, o tom genérico foi o ceticismo acerca da iniciativa, num contexto internacional que continua a não valorizar suficientemente os discursos em defesa da paz e do fim do conflito.
Nada melhor do que uma guerra para mostrar como usamos dois pesos e duas medidas consoante as suas causas estejam mais ou menos perto de nós. A narrativa que há mais de um ano temos ouvido sobre a guerra na Ucrânia deveria interpelar-nos pela forma como os apelos ao fim do conflito têm sido desvalorizados e pelo modo como a paz tem sido subjugada a uma questão estratégica.
Com frequência, a paz de que falamos a propósito do conflito iniciado com a invasão russa da Ucrânia é a paz que vencidos ou vencedores querem impor uns aos outros: esperamos conseguir conter o avanço das tropas russas em território ucraniano; temos esperança na contraofensiva das forças de Kiev; pensamos no significado de cada pedaço de terreno, aldeia, vila ou cidade conquistada ou perdida nos combates.
Quando se tratou de pensar nas causas profundas deste conflito, uma das premissas necessárias para se conseguir uma paz duradoura, os discursos foram com frequência acolhidos como se estivessem ao serviço de um dos beligerantes. Até as palavras do Papa Francisco, alertando para o facto de as causas da guerra não terem apenas a ver com o “império russo”, foram recebidas, em muitos círculos, com um silêncio desconfiado.
Quando a Turquia quis sentar os beligerantes à mesa das negociações, as preocupações pareceram centrar-se
nos eventuais benefícios que o presidente Erdogan pretendia retirar dos seus esforços de paz. Depois, vieram as tentativas de mediação da China e do presidente brasileiro, Lula da Silva, que foram sempre recebidas com ceticismo.
A paz das vítimas
Por certo que não podemos ser ingénuos relativamente aos interesses que se movem na diplomacia internacional em situações de conflito. Também não podemos ter ilusões acerca das motivações dos beligerantes que, em muitas circunstâncias, simplesmente não querem a paz e até têm o poder para não a aceitar.
Ainda assim, não deixa de ser preocupante como o discurso acerca da paz sobre o conflito ucraniano tem permanecido afastado do espaço público. Situações bem diferentes são as que acontecem em conflitos distantes de nós, entre líderes, povos e identidades que, provavelmente, consideramos menos e cujas causas simplesmente conhecemos mal. Nesses casos, a guerra torna-se-nos incompreensível. Por isso, apelamos para que as instituições internacionais intervenham rapidamente para impor a paz ou, então, deixamos que a guerra se extinga no seu próprio horror.
O cessar-fogo e o discurso da paz não podem deixar de ser a tónica dominante, mesmo – e talvez por força de razão – quando os ventos da guerra não lhe estão de feição. O discurso da paz e a exigência da cessação incondicional dos conflitos armados é a única forma de honrar tanto os que combatem, devido ao seu envolvimento nas causas que defendem, como os que sofrem a guerra, apenas pela inevitabilidade da situação em que se encontram. Por certo que as condições da paz são uma garantia da sua preservação futura, mas deixar de insistir que os conflitos se definam à mesa das negociações é admitir a inevitabilidade da guerra. Ao fazê-lo, deveríamos pensar o que cada uma das vítimas pensa sobre isso: na Ucrânia, na Rússia, mas também no mundo.
Texto: Carlos Camponez