Pode contar-nos a sua história, de uma forma breve?
Nasci a 15 de abril de 1971 em Maralal, no Quénia. Sou filho de Lapus Leaburia e Naiduri Leaburia. Infelizmente, não cheguei a conhecer o meu pai porque ele foi morto por um elefante alguns meses antes de eu nascer. Cresci como qualquer criança pastor nómada da minha tribo – Samburu. Costumava pastorear ovelhas, vacas e camelos da minha família. Enquanto ia crescendo em família, juntamente com outras crianças da aldeia, adorava convidar as pessoas para irem comer a nossa casa. No dia em que ninguém ia, gritava: “Não vem ninguém comer connosco?” Este facto ficou-me na memória como semente de acolhimento, partilha, solidariedade e de abertura para com aqueles que não têm nada para comer. Entrei na comunidade dos Missionários da Consolata em 1990. Fiz todo o meu caminho formativo, e fui ordenado sacerdote a 18 de julho de 1999, em Wamba, no Quénia.
Porque optou pela vida religiosa e missionária?
Decidi ser missionário da Consolata porque queria realmente sair do meu povo, cultura e nação para dar testemunho da Palavra de Jesus Cristo. O meu entusiasmo de criança em ajudar, acompanhar e gritar em voz alta a chamar os necessitados para irem comer em nossa casa sempre me impeliu a ir para além de mim mesmo e a criar espaço para os outros. Os missionários da minha paróquia de origem insistiam para que eu ficasse na diocese, mas eu tinha um forte desejo de sair do meu país.
Recorda algum episódio significativo da sua vida missionária?
Há dois episódios que me fizeram crescer. Quando terminei a licenciatura, em Roma, pedi ao formador que me desse tempo para fazer uma “lectio divina” durante 40 dias na Cartuxa de Pesio. O meu formador disse-me: “Não precisas dessa experiência!” No entanto, fui fazer esse ‘deserto’ de 40 dias com o objetivo de me preparar para a minha ordenação sacerdotal. Durante esses 40 dias de silêncio absoluto, e saboreando diariamente a Palavra de Deus, aconteceu-me algo na capela da adoração. Uma voz suave, doce e precisa disse-me: “Torna-te um fogo que acende outros fogos”. Na minha vida esta frase sempre me acompanhou, mas nunca a revelei a ninguém até ao passado dia 12 de junho, quando fui eleito superior geral e de novo essa frase me foi sussurrada ao ouvido.
O segundo episódio aconteceu-me quando era pároco em Nairobi e visitava o bairro da lata de “Deep Sea”. Nesse local, dez mil pessoas dormiam numa área muito limitada e precária. As crianças não iam à escola, e os pais iam trabalhar todos os dias para os ricos da cidade e voltavam para as suas barracas quase mortos. Um dia chorei ao ver pessoas a viver assim enquanto outras viviam na opulência. No dia seguinte, celebrei quatro missas no Santuário da Consolata e em cada uma delas contei a história. Estabeleceu-se um silêncio total na igreja. Depois de uns momentos, pedi a todos que déssemos ofertas, todos os primeiros domingos do mês, para apoiar as famílias de “Deep Sea”. Um homem levantou-se, tomou a palavra e disse: “Padre James, vamos fazê-lo agora mesmo, e eu começo com vinte mil dólares”.
É o primeiro superior geral da Consolata de origem africana. Como recebeu o convite para dirigir o instituto?
Quando os meus confrades me elegeram, fiquei surpreendido porque tinha outros projetos para a minha vida missionária. Queria trabalhar com os nativos da América, algo que há muito tempo tinha no meu coração. Fiquei uns minutos em silêncio e vieram-me as lágrimas aos olhos, enquanto todos esperavam em silêncio. Foi um momento difícil para mim, mas, entre soluços, disse – “Sim, com a ajuda de Deus e dos confrades”.
O facto de ser africano não me veio à mente. Só pensei nisso mais tarde, quando ouvi outros comentarem que eu era o primeiro africano após 122 anos e o décimo sucessor do fundador. O que me deu confiança foi o facto de ter trabalhado com todas as culturas, conhecer muitos confrades e ter visitado todos os países onde trabalhamos. Conheço as realidades, embora esse conhecimento em si me assuste.
Foi vice-superior geral durante seis anos, antes de ser eleito superior geral. Que leitura faz sobre o instituto nestes 122 anos da sua história?
Muitas coisas mudaram. Como nos diz muitas vezes o Papa Francisco, estamos numa “mudança de época”. Para nós, as maiores mudanças são as do mundo em que vivemos, com as alterações provocadas pela ciência, tecnologia, comunicação rápida e, sobretudo, as alterações económico-financeiras que puseram o mundo às avessas. Estas mudanças no mundo, na Igreja e no instituto alteraram os paradigmas da missão, a forma de ser missionário e de fazer missão. Vivemos num tempo de crise de identidade, de pertença, de gestão do tempo e do espaço.
Atualmente falamos de um total de 905 missionários da Consolata, dos quais 518 são africanos, 249 europeus, 131 americanos e sete asiáticos. A mudança dos rostos transforma também o modo de fazer e de ser missionário no mundo. Atualmente vive-se uma crise sobre o que significa ser missionário para os não-cristãos, “ad gentes”. Quem é que quer ir para longe de casa por toda a vida? Quem são os verdadeiros destinatários do “ad gentes” hoje? Ou seja, as mudanças estão aí e nós também fazemos parte delas.
A nossa sociedade está em constante mudança. Na sua opinião, quais são os desafios da missão hoje?
A Igreja transformada, tal como acima foi referido, continua a ser uma Igreja atenta ao número de pessoas que são ativas e participam nas celebrações, recebem os sacramentos e cuidam das missões. Penso, porém, que há um outro lado a considerar quando se fala dos desafios postos à Igreja. Refiro-me à Igreja como o corpo de Cristo, que não muda, mas está sempre a reformar-se de acordo com os sinais dos tempos.
Em 1962, o Papa João XXIII abriu as janelas e as portas da Igreja ao inaugurar o Concílio Vaticano II, fazendo muito para a renovar e revitalizar. Atualmente, a Igreja continua a enfrentar muitos desafios porque, para além do declínio do número de membros, há os graves danos causados pelos abusos sexuais de menores por parte do clero. Outro desafio é o das vocações sacerdotais. Muitos dos sacerdotes têm idades avançadas, e continuam a diminuir as novas vocações para o ministério ordenado, especialmente no Ocidente.
Quais são os seus sonhos para a Igreja e o instituto?
Continuo a sonhar com um futuro de esperança, construindo-o em conjunto com outras pessoas, em cooperação com todos os membros da Igreja e fora dela. O meu primeiro sonho funda-se na certeza de que existirá sempre a Igreja de Deus. Esta Igreja não será de grandes multidões, mas de poucos, uma Igreja que é um pequeno rebanho. John Allen, no seu livro de 2009 sobre a Igreja do futuro, previu que o catolicismo do futuro seria muito diferente. A Igreja do futuro não será Ocidental, nem branca, nem rica, mas opor-se-á à guerra e ao capitalismo do mercado livre. Será mais bíblica e evangélica na sua abordagem das questões culturais, mais atenta à sua forte identidade católica face ao pluralismo religioso. Sonho com uma Igreja descentralizada, que olhe para as periferias do mundo, uma Igreja mais inclusiva na sua governação, que envolva ativamente os leigos no trabalho pastoral. Por isso, precisamos de um método de formação renovado. Nos seminários, precisamos de uma equipa de homens e mulheres que acompanhem os formandos como se vivessem em família. Para o meu instituto religioso, sonho com uma família como queria o nosso fundador, o beato José Allamano, uma família de consagrados para a missão “ad gentes”, em direção às periferias por toda a vida, e em comunhão fraterna, tendo Maria como modelo e guia.
O Papa Francisco propõe o caminho sinodal e o envolvimento dos leigos no trabalho pastoral. Como é que o instituto promove este caminho sinodal?
O Papa Francisco apela a um maior reconhecimento da autoridade de magistério das conferências episcopais nacionais e regionais e exorta a pensar com toda a Igreja, não apenas com a hierarquia. Insiste na sinodalidade, ou seja, no “caminhar juntos”, resistindo à tentação de governar verticalmente, de cima para baixo. Nós, religiosos, já vivemos este método na nossa vida quotidiana. Envolvemos todos os missionários nas coisas que afetam a nossa vida e planeamos as nossas atividades em conjunto ano após ano. No entanto, ainda podemos melhorar nas atividades pastorais. Temos de envolver mais os leigos e todo o povo de Deus no caminho que estamos a percorrer.
Há algo mais que queira partilhar com os leitores da FÁTIMA MISSIONÁRIA?
Muito obrigado por todos estes anos em que nos têm acompanhado, lendo a nossa revista e participando nas iniciativas missionárias. A vossa ajuda gerou vida para uma multidão de pessoas nos quatro cantos do mundo. Não vos deixeis desencorajar pelo mundo do mercado livre, do estilo descartável, mas sejam pessoas de esperança, e que abram as portas para acolher os necessitados, os abandonados e os descartados do nosso mundo. Que a revista seja sempre uma voz profética que lança a vossa voz para dar vida e alegria ao mundo.
Texto: Bernard Obiero