A discrição do rei de Marrocos, Mohammed VI, foi um dos elementos políticos mais notados na gestão dos acontecimentos que se seguiram ao terramoto que, na noite de 8 para 9 de setembro, causou cerca de três mil mortos, de acordo com dados oficiais provisórios.
Segundo os media internacionais, decorreram cerca de 19 horas para que surgisse o primeiro comunicado da casa real anunciando publicamente os planos para mitigar os efeitos do sismo, de magnitude 6.8 na escala de Richter, com epicentro a 80 quilómetros da cidade de Marraquexe. Quatro dias mais tarde, o rei de Marrocos visitou vítimas internadas no Centro Hospital Universitário de Marraquexe e publicou imagens a dar sangue, um gesto que marcou a aparição pública do monarca marroquino, num momento em que a sociedade já tinha em curso várias iniciativas de solidariedade.
Mohammed VI teve de deslocar-se de urgência de Paris, onde foi surpreendido pelas notícias do terramoto. No entanto, as suas estadias recorrentes e prolongadas no estrangeiro têm sido cada vez mais notadas. As publicações britânicas, The Economist e Financial Times, deram este ano nota destas ausências prolongadas do país, chegando ao ponto de contabilizar em cerca de 200 o número de dias em que o monarca esteve no estrangeiro durante o ano 2022, em particular em França e no Gabão.
Estas ausências são tanto mais notadas quanto a figura de rei é considerada central na vida política marroquina, onde existe o hábito de os membros do governo só tomarem posições públicas após o monarca já o ter feito. Esta situação parece explicar o facto de, face à ausência de Mohammed VI, para além dos comunicados oficiais dos ministérios, nenhum membro do governo tivesse tomado posição nas primeiras horas a seguir ao sismo.
Modos de atuar e soberania
Situação idêntica verificara-se já em 2004, aquando do tremor de terra que matou cerca de 600 pessoas, na região de Al Hoceima, em que os membros do governo aguardaram cerca de quatro dias para fazerem declarações públicas, dando primazia às iniciativas ao rei.
No sismo do passado mês de setembro, vários países foram também surpreendidos pela forma como o reino de Marrocos geriu a oferta de envio de equipas de resgate de pessoas que ficaram presas nos escombros, na sequência do terramoto. Depois de uma demora inicial, num contexto onde o tempo é decisivo, apenas Espanha, Reino Unido, Qatar e Emirados Árabes Unidos obtiveram autorização para enviarem as suas equipas.
A decisão foi explicada com os problemas que se poderiam criar no terreno, com a chegada de inúmeras equipas de auxílio internacional, sem terem equipas preparadas para as acompanhar. Mas se as questões de logística e de soberania do Estado não podem deixar de se colocar, não é menos verdade que estes quatro países partilham entre eles o facto de, nos últimos anos, terem assumido posições tendentes ao reconhecimento da anexação dos territórios do Sara Ocidental por Marrocos, comprometendo o direito do povo sarauí à independência, em contradição com a Carta das Nações Unidas, das suas resoluções e normas do direito internacional. Mohammed VI encetou várias reformas políticas e legislativas no país, quando chegou ao poder, em 1999. Apesar de ser a quinta potência económica de África, Marrocos enfrenta uma situação social frágil, que este terramoto evidenciou.
Texto: Carlos Camponez