A maioria das pessoas reconhece que o Natal é uma ocasião de esperança renovada, independentemente das crenças religiosas. Quase ninguém fica indiferente ao nascimento de uma criança. Há a expetativa sobre alguém que poderá modificar o presente e construir um futuro melhor. Esta expetativa também transporta incertezas e angústias sobre o futuro, num mundo dilacerado pela desigualdade e pela ausência de alimento e de paz. Apesar destas preocupações legítimas, o nascimento é esperança.
Ainda que os sentimentos de alegria e caridade devam acompanhar a todos ao longo do ano, é no Natal que a caridade e a partilha mais afloram. É normal nesta época do ano a troca de presentes, o lembrar que reconhecemos a importância daquela pessoa para nós. Por isso, o presente que entregamos ao outro é, quando dado de forma sincera, símbolo desse sentimento de reconhecimento, da demonstração do quanto esse outro é importante para nós.
Na tradição judaico-cristã é comum afirmar-se que existe mais felicidade em dar do que em receber. Aquele que dá protagoniza o primeiro passo para estabelecer uma relação com o outro a quem entrega a sua dádiva. Não falamos daquilo que apenas pode ser adquirido por meios económicos, mas essencialmente daquilo que é dádiva gratuita, que é verdadeira entrega, como o nosso tempo e a nossa disponibilidade. No fundo, podem ser aquelas ‘sementes’ que são lançadas e que só ao fim de algum tempo e de cuidados adequados dão os seus frutos.
Ao lermos o livro “O Principezinho”, de Antoine de Saint-Exupéry, podemos pensar que as pequenas ‘sementes’ que lançamos ao praticar o dar sincero podem ser como “sementes invisíveis”, que “dormem no segredo da terra até que a uma lhe dê para acordar… Então, [a semente] espreguiça-se e começa a lançar timidamente um rebentozinho inofensivo e encantador em direção ao sol”.
Quem dá pode cativar quem recebe, e assim “criar laços”, como explica a raposa ao principezinho, destacando que quando alguém é cativado por outra pessoa, a vida “fica cheia de sol”, e os passos dados pelo outro tornam-se “uns passos diferentes de todos os outros passos”. Segundo a raposa de Saint-Exupéry, “os homens deixaram de ter tempo para conhecer o que quer que seja. Compram as coisas já feitas aos vendedores. Mas como não há vendedores de amigos, os homens deixaram de ter amigos”, pelo que é importante o cativar os outros no sentido de estabelecer uma relação paciente que, mais cedo ou mais tarde, poderá dar os seus frutos.
Pode ser este o sentido do Natal: um novo nascimento interior que se anuncia, apesar de todas as incertezas e angústias sobre o futuro, tal como no caso do nascimento de uma criança. O Natal, tal como vimos em Saint-Exupéry, pode ser como este lançar das “sementes invisíveis” que, quando “acordam”, se “espreguiçam timidamente em direção ao sol”, e que assim podem produzir uma árvore frondosa. Os pequenos gestos praticados nesta quadra, que se deveriam também estender ao longo de todo o ano, são como uma caminhada. Certamente nos lembramos que quando éramos pequenos eram as luzes da árvore, a Missa do Galo e a ternura dos sorrisos que davam todo o brilho ao nosso presente de Natal.
Texto: Paulo Barroso