O texto mais difícil de sair da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (COP28)
foi aprovado no plenário da cimeira, após intensas negociações. O acordo “reconhece a necessidade de reduções profundas, rápidas e sustentadas das emissões de gases com efeito de estufa” e apela a que as partes contribuam para uma “transição para o abandono dos combustíveis fósseis nos sistemas energéticos, de uma forma justa, ordenada e equitativa, acelerando a ação nesta década crítica, de modo a atingir emissões líquidas nulas até 2050, em conformidade com a ciência”. O documento indica ainda medidas para diminuir as emissões de gases com efeito de estufa, e aponta para a necessidade de triplicar as energias renováveis.
Após o acordo, a ZERO – Associação Sistema Terrestre Sustentável publicou um comunicado onde alerta para o facto do documento saído do Dubai não falar “especificamente sobre a eliminação progressiva e mitigação dos combustíveis fósseis de uma forma que seja de facto a mudança radical necessária”. “A linguagem do documento final da COP28 apresenta uma série de lacunas que podem ser usadas a favor de países que ainda não estão alinhados com a ação climática. No parágrafo 26 do balanço global, não é apresentado qualquer compromisso ou mesmo um convite para as partes atingirem o pico de emissões até 2025. O texto apresenta referências à ciência, mas depois abstém-se de chegar a um acordo para tomar as medidas relevantes, a fim de agir em conformidade com o que a ciência diz que temos de fazer”, lamenta a associação. A ZERO afirma que “acolhe o resultado desta COP como um avanço”, mas refere que esta é uma “vitória com sabor agridoce”, onde há ainda “muito trabalho a ser feito”.
Arranque promissor
A COP28 decorreu no Dubai, de 30 de novembro a 12 de dezembro, reuniu representantes de mais de 200 países, e iniciou de forma promissora. Escassos minutos após o início formal do evento, foi tomada uma decisão, considerada histórica – a criação de um fundo de “perdas e danos” para apoiar os países vulneráveis às alterações climáticas. O fundo prevê um financiamento de 100 mil milhões de dólares por ano, com início oficial previsto para 2024. Portugal deverá contribuir com cinco milhões de euros. No entanto, a quantia pode ficar aquém dos montantes que se prevê serem fundamentais, uma vez que o documento ‘Adaptation Gap Report 2023’, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Ambiente, previa ser fundamental um fluxo de cerca de 387 mil milhões de dólares anuais para a adaptação às alterações climáticas.
Portugal na COP
António Costa, Primeiro-ministro demissionário português, interveio na COP28, onde destacou que recentemente Portugal atingiu um recorde – “durante seis dias consecutivos, a totalidade da eletricidade consumida teve origem em fontes renováveis”. O político adiantou ainda que “até 2030” se pretende que em Portugal “85 por cento da produção de eletricidade” tenha “origem em renováveis”. O responsável afirmou que o país se encontra também empenhado numa “reforma da floresta que previna estruturalmente o risco de incêndios”.
A ZERO elogiou a comunicação de António Costa, mas apontou o que ficou de “fora do discurso”, como o “aumento de emissões de gases com efeito de estufa claramente previsível para o ano de 2023”. A associação aponta também para “os conflitos e as preocupações de sustentabilidade para o território (ambientais e sociais) dos investimentos nalgumas grandes centrais de energia renovável, nas minas de lítio e o objetivo errado de investir num gasoduto para exportação de hidrogénio com perdas de eficiência relevantes e sem dar prioridade ao uso nacional”.
Sob restrições
Nos Emirados Árabes Unidos, onde decorreu a COP28, as manifestações são proibidas por lei. Os protestos associados à cimeira decorreram na Zona Azul da COP28, isto é, uma área sob mandato da Organização das Nações Unidas, onde não se podiam identificar empresas nem apresentar bandeiras de países, por exemplo. O espaço foi usado para apelar a um cessar-fogo na Palestina e ao fim dos combustíveis fósseis.
Exploração de migrantes
Um relatório da ONG Equidem veio revelar que os trabalhadores migrantes que construíram as instalações da COP28 estiveram expostos a temperaturas muito altas e ao sistema de kafala, que constitui uma forma de exploração tradicional dos trabalhadores migrantes na região. Entre outras situações, centenas de trabalhadores relataram casos de violência no trabalho, discriminação, pagamento de refeições inadequado, e sobrelotação dos locais de alojamento.
Conflito de interesses?
Os Emirados Árabes Unidos nomearam como presidente da COP28 Sultan Ahmed Al Jaber, ministro da indústria no país, presidente da petrolífera estatal Abu Dhabi National Oil Company (ADNOC), e da Masdar, uma empresa estatal de energias renováveis e um dos maiores promotores de energia solar do mundo. Esta nomeação levantou dúvidas sobre possíveis conflitos de interesses.
Pela primeira vez na Cimeira do Clima, a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) deteve um pavilhão. Através de uma carta, Haitham Al Ghais, secretário-geral da OPEP, pediu aos membros da organização para rejeitarem “proativamente qualquer posição contra os combustíveis fósseis”. Com outra perspetiva, estiveram cerca de 80 países, que tinham em vista o fim da utilização de combustíveis fósseis. Em 2024, voltará a ser um país ligado à OPEP, o Azerbaijão, a sediar a COP29, de 11 a 22 de novembro.
Foram acreditados para participar na cimeira pelo menos 2.456 representantes de grupos ligados aos combustíveis fósseis, segundo a coligação Expulsar os Grandes Poluidores. Esta foi uma presença sem precedentes do lobby desta indústria nas cimeiras do clima, o que também levantou questões sobre a influência da indústria dos combustíveis fósseis, responsáveis pela maior parte das emissões de gases de efeito estufa, que precisariam ser reduzidas para limitar o aquecimento a 1,5 graus Celsius, como definido no Acordo de Paris de 2015.
Apelos do Papa
Por conselho médico, o Papa Francisco acabou por cancelar a viagem ao Dubai. A representar o Sumo Pontífice esteve Pietro Parolin, cardeal e Secretário de Estado do Vaticano, que leu o discurso preparado pelo Santo Padre, onde este pedia para que os olhares fossem voltados para o “impacto de umas poucas nações, responsáveis por uma preocupante dívida ecológica para com muitas outras”. “Seria justo encontrar adequadas modalidades de remissão das dívidas financeiras que pesam sobre vários povos, à luz da dívida ecológica também existente para com eles”, pediu Francisco, recordando depois todos os gastos com as guerras.
“Quantas energias está a desperdiçar a humanidade nas várias guerras em curso, como sucede em Israel e na Palestina, na Ucrânia e em muitas regiões da terra: conflitos que, em vez de resolver os problemas, aumentá-los-ão! Quantos recursos desperdiçados nos armamentos, que destroem vidas e arruínam a ‘Casa comum’! Relanço uma proposta: ‘Com o dinheiro usado em armas e noutras despesas militares, constituamos um fundo mundial, para acabar de vez com a fome’ e realizar atividades que promovam o desenvolvimento sustentável dos países mais pobres, combatendo as mudanças climáticas”, implorou o Papa, através do Secretário de Estado do Vaticano.
No início dos trabalhos da COP, Francisco apelava à manifestação de uma “vontade política clara e palpável” onde estivesse presente “a eficiência energética, as fontes renováveis, a eliminação dos combustíveis fósseis e a educação para estilos de vida menos dependentes destes últimos”. O Papa concluiu a sua mensagem com um apelo –“Deixemos para trás as divisões e unamos forças! E, com a ajuda de Deus, saiamos da noite das guerras e das devastações ambientais para transformar o futuro comum numa alvorada de luz”.
Texto: Juliana Batista