Localizado no sudeste asiático, o Myanmar vive ainda uma terrível guerra civil que já ceifou milhares de vidas, situação que apenas foi notícia no Ocidente quando iniciou, há três anos, quando a junta militar tomou o poder. Os soldados controlam as vilas e cidades, mas não as zonas rurais, que são constantemente bombardeadas, e onde se encontram muitos civis e resistentes. É no meio deste contexto de violência e de outras formas de violação dos direitos humanos que a Igreja Católica vive e trabalha, sobretudo junto dos mais pobres e de outras vítimas deste conflito que teima em persistir no tempo.
A hierarquia da Igreja do Myanmar foi estabelecida em 1955. Mais tarde, em 1961, o budismo foi declarado como a religião oficial do Estado, mas atualmente ele é laico. Em 1965, as escolas e hospitais católicos foram nacionalizados e 239 missionários foram expulsos do país: permaneceram 188 sacerdotes diocesanos, que contribuíram, em 20 anos, para o duplicar do número de católicos. Recentemente, o governo militar, mesmo aquando da visita do Papa Francisco em 2017, proibiu o culto das igrejas e grupos evangélicos. Em fevereiro de 2021, o general Min Aung Hlaing usurpou o governo do país e decretou a prisão da sua adversária na corrida presidencial, a mundialmente conhecida Aung San Suu Kyi, da Liga Nacional para a Democracia. Em resposta, os membros do parlamento formaram um governo de unidade nacional para combater os militares e restabelecer a democracia no país. O governo militar iniciou um projeto de repressão violenta contra quem se lhe opunha: os conflitos armados entre civis e militares intensificaram-se, dando início a mais uma guerra civil.
É neste contexto, que teima em arrastar-se e a destruir cada vez mais vidas, que o ‘pequeno rebanho’ da Igreja Católica – cerca de 675 mil católicos (1,1 por cento da população com cerca de 61 milhões) – espalhado por toda a sociedade, insiste em levar por diante o anúncio do Evangelho, mesmo no meio de tanta violência que atinge outros cidadãos birmanos, membros de outras etnias e religiões, em particular os membros do povo Rohingya, vítimas da tentativa de limpeza étnica por parte das forças militares. Na zona de Taunggyi, uma das dioceses católicas localizada no estado de Shan, bem como noutras dioceses, a Igreja é chamada a enfrentar com coragem o problema dos deslocados internos, ou seja, milhares e milhares de pessoas que abandonaram as suas aldeias e cidades de origem, para escaparem à violência. Estas pessoas perderam a casa e o sustento, procurando também refúgio em igrejas ou noutras estruturas da Igreja Católica. O serviço de auxílio e acompanhamento de toda esta gente – pessoas a sofrer duramente, humilhadas, muitas vezes desesperadas – exige muita dedicação e amor. No confronto entre o exército regular e as Forças de Defesa Popular – milícias que surgiram após o golpe de estado militar e compostas, na sua maioria, por jovens birmanos –, o apoio humanitário que a Igreja providencia pode ser entendido como hostil e “suporte à rebelião”. Por exemplo, no ano passado dois sacerdotes católicos, com alguns voluntários leigos, dirigiam-se para ajudar deslocados internos no estado de Shan, na parte oriental de Myanmar, e de repente, foram cercados e levados presos pelos militares. São comuns os casos de intimidação e violência contra os sacerdotes locais, bem como de arresto do material e dinheiro de ajuda às necessidades pastorais, sobretudo no apoio aos refugiados e deslocados.
Neste contexto, prevê-se uma maior crise humanitária, porque as forças militares querem erradicar a resistência popular, não olhando a meios para atingir este fim. Por exemplo, o exército birmano usa como tática o corte ao acesso à comida, às comunicações, aos transportes e às finanças, entre outros bens essenciais, para reduzir as populações à fragilidade total, violando de forma sistemática os direitos humanos mais essenciais. Muitos fogem para a selva ou procuram refúgio nas instituições e estruturas da Igreja, bem como em mosteiros budistas.
Texto: Álvaro Pacheco