Em setembro de 2023, fiz parte de uma equipa de investigação que viajou pelo Quénia para entrevistar pessoas de todos os quadrantes sobre as suas experiências na internet. Encontrámo-nos com professores, agricultores, estudantes, ativistas dos direitos humanos, políticos, advogados, entre outros. Todos eles dependiam da internet para fazer a maior parte do seu trabalho e para ter interações sociais.
Em Mombaça, conheci Lúcia Mjomba, uma conselheira comunitária que me contou a história angustiante de um adolescente que se suicidou após um ataque de ciberbullying. A sua namorada do liceu, com quem tinha desavenças, decidiu expor as suas fotografias nuas na página do Facebook e no grupo de WhatsApp da comunidade. Ele não conseguiu lidar com as consequências. Muitos dos cibercrimes mais comuns visam pessoas individuais.
Grande parte das nossas vidas está agora na rede. Muitas pessoas trabalham em rede, namoram em rede e dependem das plataformas de redes sociais para se manterem em contacto com a família e amigos. Os nossos estilos de vida estão cada vez mais imersos na internet e interligados com aparelhos como smartphones e computadores. Embora estas tecnologias tenham melhorado a nossa vida de forma significativa, também expuseram muitas pessoas à cibercriminalidade.
A prevalência de crimes no uso da internet tem suscitado preocupações em muitos países de África. À medida que as organizações e as pessoas continuam a tornar-se mais digitalizadas, África continua a ser uma das regiões do mundo mais visadas pelo crime cibernético. Numa recente conferência de imprensa em Joanesburgo, na África do Sul, a empresa tecnológica Kaspersky partilhou alguns conhecimentos e estatísticas relacionadas com o cenário de ameaças regionais no terceiro trimestre de 2023 e fez previsões sobre como a situação irá evoluir em 2024.
Ataques intensos a mulheres
Muitos dos casos narrados durante o estudo eram de natureza sexual dirigidos a mulheres. As mulheres na política sofreram ataques mais intensos que se estenderam por um longo período de tempo, espalhados por numerosas plataformas de redes sociais e, consequentemente, abrangendo uma área geográfica mais vasta. O estudo destes casos concluiu que os ataques dirigidos às mulheres na política foram bem planeados e tinham como objetivo forçar a candidata a desistir da sua candidatura. O ataque não afetou apenas a candidata, mas também o seu cônjuge e filhos, alargando assim a natureza do dano para margens incontroláveis para a vítima.
Violência em relacionamentos
A investigação revelou ainda que a violência entre parceiros íntimos ocorre frequentemente sob a forma de violência de género nas redes sociais. “No ano passado, o meu marido tentou vender a nossa casa, mas eu contestei a sua decisão. Tornou-se uma batalha amarga entre nós. Consegui impedi-lo temporariamente de vender a propriedade. Não sabia que ele andava a tirar-me fotografias íntimas. Ameaçou então que, se eu continuasse a desafiá-lo, ele exporia as fotografias na internet. Publicou as minhas fotografias de nudez que tinha tirado na privacidade da nossa casa sem o meu conhecimento. Todos os grupos de WhatsApp da comunidade foram inundados com estas imagens. Tornei-me o assunto das conversas na cidade e, onde quer que eu fosse, as pessoas falavam de mim em voz baixa e lançavam-me olhares estranhos. Tentei denunciar o caso à polícia, mas não obtive grande ajuda. A polícia e o chefe da zona aconselharam-nos a resolver o assunto em família. Ele continua a chantagear-me e a ameaçar-me”. Este caso foi-nos relatado por Miriam Chengo.
Impacto psicológico
De um modo geral, os inquiridos referiram que a cibercriminalidade tem múltiplos efeitos físicos e emocionais, tais como diminuição da autoestima, depressão, problemas emocionais, discriminação, rutura de relacionamentos, consequências financeiras e suicídio. Os efeitos do cibercrime podem conduzir ao isolamento, ao afastamento social e a elevados níveis de stress. Uma das vítimas de cibercriminalidade, por exemplo, ficou em casa durante três meses, incapaz de enfrentar o mundo.
Aplicação da lei e proteção
A maior parte das vítimas não compreende o processo legal e as burocracias para fazer uma denúncia, uma investigação e conseguir uma ação penal. No Quénia, por exemplo, a polícia está mal equipada em termos de financiamento e formação. Por este motivo, os casos terminam antes de se poderem iniciar as investigações. O custo dos honorários e dos processos legais também impedem as vítimas de apresentarem uma queixa e de darem seguimento ao caso.
Embora seja comum os crimes cibernéticos visarem indivíduos, as organizações financeiras são o principal alvo da cibercriminalidade, com quase um em cada cinco casos bem-sucedidos. Regra geral, os atacantes tentam obter ganhos financeiros. As empresas de telecomunicações também estão a enfrentar um número considerável de ataques devido à sua crescente base de clientes, o que as torna alvos atrativos para o roubo de dados e extorsão.
Uma indústria multibilionária
O ambiente digital em África está a evoluir rapidamente, mas a falta de medidas adequadas para garantir a cibersegurança, um quadro legislativo insuficiente no domínio da segurança da informação e um baixo nível de sensibilização da população em geral para as questões da cibersegurança estão a conduzir a um aumento do número de ciberameaças. A Interpol afirma que a cibercriminalidade se tornou uma indústria multibilionária e que é tentador para os sindicatos tradicionais do crime transferir as suas atividades para o ciberespaço, o que significa que tanto as organizações como os indivíduos devem manter as suas medidas de segurança atualizadas.
Um relatório da KPMG sobre as perspetivas da cibersegurança para 2022-2023 revelou que 39 dos 54 países africanos estabeleceram legislação nesta matéria e que a adoção de políticas e regulamentos neste setor em África se situa nos 72 por cento. Muitos Estados membros da União Africana (UA) têm vindo a desenvolver ou a melhorar a sua legislação nacional em questões de cibersegurança para fazer face à crescente ameaça da cibercriminalidade. Isto inclui leis relacionadas com a proteção de infraestruturas críticas, a privacidade dos dados e a criminalização de atividades cibernéticas.
Esforços internacionais
Craig Jones, diretor para a cibercriminalidade da Interpol, afirma que é preciso “reconhecer o facto de que a cooperação internacional entre os organismos responsáveis pela aplicação da lei é uma parte essencial de qualquer estratégia de combate à cibercriminalidade”. “À medida que os cibercriminosos se tornam cada vez mais sofisticados e organizados, é necessário um esforço coordenado a nível mundial para garantir que as ameaças são devidamente tidas em consideração”, refere o responsável.
Trinta e sete países africanos criaram fundos de acesso universal para expandir a cobertura nacional da internet, o que levou a que o continente africano tivesse uma das taxas de crescimento da conetividade mais elevadas do mundo. No entanto, como acontece com qualquer nova tecnologia emergente, o desenvolvimento da internet também levou a um aumento do cibercrime.
Os crimes ciberdependentes e ciberativados afetam agora todos os setores de atividade, com novas tendências que envolvem a colaboração entre formas tradicionais de crime e o cibercrime. Por exemplo, os grupos terroristas podem recorrer aos serviços de cibercriminosos para angariar fundos utilizando criptomoedas, e as redes criminosas de tráfico de seres humanos estão a explorar a ‘dark web’ para adquirirem conhecimentos especializados na obtenção de documentos de viagem falsos. Estes novos desenvolvimentos na criminalidade organizada tornam impossível dissociar a luta contra a cibercriminalidade da luta contra todas as outras formas de criminalidade.
Texto: Frenny Jowi, jornalista e consultora de media