Os ataques de forças americanas e britânicas contra os houthis, do Iémen, têm sido apresentados como uma nova fase da escalada do conflito entre Israel e o Hamas. Mas eles são mais do que isso: representam a tentativa de impedir o estrangulamento do Bab al-Mandeb, um estreito de mar de cerca de 32 quilómetros que separa a Eritreia e o Djibuti do Iémen, e por onde passam cerca de 17 mil navios anualmente e cerca de 12 por cento do comércio mundial, entre a Ásia, o Golfo Pérsico e a Europa. Controlar estreitos como o de Bab al-Mandeb significa controlar uma boa parte do comércio mundial e influenciar os seus preços, fazer chantagem política ou mesmo uma boa oportunidade para piratear.
A história não é nova e já foi com o objetivo de controlar o comércio com a região da Pérsia e da Ásia que Vasco da Gama dobrou o Cabo da Boa Esperança, em 1497. Porém, com a construção do canal do Suez, em 1869, o Mar Vermelho adquiriu uma importância estratégica decisiva, tornando-se no caminho marítimo mais curto entre
a Ásia, a Europa e a Costa Leste dos Estados Unidos da América.
Assim, por exemplo, uma viagem de barco entre Singapura e o Porto de Roterdão, na Holanda, pelo Cabo da Boa Esperança, na África do Sul, representa cerca de 4 800 milhas a mais (7724 quilómetros) e entre 12 a 15 dias suplementares de viagem, relativamente à passagem pelo Mar Vermelho e a travessia do canal do Suez. Em resultado disso, o uso da rota do Cabo da Boa Esperança por parte das companhias marítimas, para evitar o ataque dos houthis no Mar Vermelho, pode representar um aumento dos preços de transporte e dos produtos, por três razões: devido ao aumento do consumo de combustível suplementar necessário; aos dias suplementares de viagem; e ao facto de serem necessários mais barcos para manter o atual fluxo comercial de mercadorias.
Pirataria e chantagem política
Assim se explica o facto de as grandes potências, como os Estados Unidos da América, a China e a Rússia, procurarem manter uma presença na região do Mar Vermelho, se possível com a permissão de construção
de bases militares.
Os estreitos marítimos como os de Bab al-Mandeb tornam-se muito sensíveis quando à sua volta existem estados politicamente instáveis ou quando a situação de pobreza é grande. Foi isso que já aconteceu nesta região, com a pirataria com origem na Somália, é o que acontece no estreito de Malaca, um dos principais pontos de ligação marítima entre os oceanos Índico e Pacífico, ou no Golfo da Guiné, entre a Costa do Marfim e o Gabão.
É neste contexto que devem ser compreendidos os ataques dos houthis aos navios mercantes. Os houthis são um grupo de rebeldes xiitas apoiados pelo Irão que combatem o governo do Iémen há duas décadas, e que controlam atualmente o noroeste do país e a capital, Saana. A desestabilização da circulação no estreito de Bab al-Mandeb, se aproveita o Irão e os seus apoios ao Hamas e ao Hezbollah, visa também o reconhecimento internacional dos houthis, que têm vindo a obter maior relevância com a guerra na Palestina.
Texto: Carlos Camponez