A terra é o primeiro grande direito de todo o terrestre, e, com a terra, um local para viver, uma casa para habitar, de proporções suficientes à construção da família de cada um. Também eu tive de encontrar a minha, e sempre me questionei em anos que lá vão por que razão as rendas são tão altas e as prestações ao banco uma prisão para o resto da vida. Vivi em países onde a maioria das pessoas raramente pensava em ter casa própria, precisamente porque o seu projeto de vida era poderem viajar e viver onde lhes parecesse agradável. Nestes países as rendas eram baixas, ou permitiam aos seus inquilinos viver desafogados.
Por causa da habitação passámos anos de grande sofrimento. A pandemia, no desastre humano que foi, parece ter sido uma distração, porque por causa da habitação, a vida de milhares de pessoas entre nós corre seriamente o risco de se tornar uma vida ao relento, sem qualquer segurança, intimidade, privacidade, sem qualquer dignidade.
Nunca compreendi porque temos de viver 30, 40 e mais anos das nossas vidas agarrados a uma prestação que nos rouba tempo, imaginação, criatividade e liberdade de movimento, de forma escandalosa, e já nem digo desumana, porque o humano tem as mãos cheias de sangue. Não só as casas, mas também os quartos se tornaram um bem inacessível a quem tem poucos rendimentos. As próprias camas tornaram-se objetos de arrendamento e de comércio sem vergonha.
Há uns tempos para cá que as pessoas mais vulneráveis não pedem apenas ajuda para comer. Pedem ajuda para o pagamento das rendas que se tornaram incomportáveis face aos salários que não conseguem acompanhar a inflação ou o aumento do custo de vida. Batem-nos à porta com medo de ir para a rua. Não admira que a população em situação de sem abrigo tenha aumentado 78 por cento em Portugal.
O que dizer de quem é migrante e está obrigado a partilhar o que não é de todo suficiente para um só homem? O que dizer de quem é pago miseravelmente e ainda por cima tem de pagar para trabalhar, para ter acesso a uma cama, a um pouco de água, eletricidade, comida?! E estas são ainda hoje as pessoas que acreditam que Portugal pode ajudar as suas famílias lá longe. Mas como? Que país é este que vê no migrante uma ameaça, um ladrão, um delinquente, um criminoso? Não devia a nossa relação com o mundo, de séculos de história, fazer de cada residente em Portugal guarda do seu irmão?