As políticas e as práticas migratórias restritivas da União Europeia (UE) “promovem uma brutalidade sistemática contra refugiados e migrantes”, alerta a organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF), a propósito do lançamento do seu mais recente relatório dedicado ao tema, intitulado Death, despair and destitution: the human costs of the EU’s migration policies (“Morte, desespero e miséria: os custos humanos das políticas de migração da UE”), que dá conta do que membros daquele organismo internacional observaram entre agosto de 2021 e setembro de 2023.
Segundo a MSF, as pessoas que viajam em direção a França passam frequentemente por Ventimiglia, em Itália. Um paciente da organização humanitária assistido naquela região italiana mostrou o cenário que pode ser vivido nas fronteiras europeias. “Eu e o meu irmão viemos a pé do Afeganistão, e tentámos atravessar a fronteira entre Itália e França para nos reunirmos com a nossa família na Alemanha. A polícia começou a perseguir-nos num caminho montanhoso durante a noite e, enquanto tentávamos escapar, caímos de uma ravina… Perdemos tudo o que tínhamos. Pensámos que podíamos parar de fugir quando chegássemos à Europa”, disse.
Com o propósito de “identificar e conter rapidamente as pessoas que chegam às fronteiras”, o modelo de hotspot é “já há vários anos uma pedra basilar das políticas migratórias da União Europeia (UE)”, aponta a organização MSF. Os hotspots – centros de receção e processamento de pedidos de asilo – “têm sido caracterizados por uma crise de sofrimento humano, devido à falta de garantias de proteção e de acesso a serviços e bens essenciais, como água, cuidados médicos e uma receção segura”, mas “a UE e os governos nacionais continuam a apostar nessa abordagem”.
Um psicólogo da MSF em Lesbos, na Grécia, demonstrou como as práticas migratórias afetam a saúde mental. “Todas as pessoas, até mesmo as mais jovens, sofrem de algum tipo de angústia psicológica, sempre com a mesma sintomatologia: dores no corpo, dissociação, depressão e transtornos de sono. As pessoas sentem-se completamente sozinhas. Sentem-se humilhadas a viver nestas condições.”
De acordo com a organização Médicos Sem Fronteiras, de agosto de 2021 a agosto de 2023 as equipas MSF em Samos, na Grécia, realizaram “2.900 consultas de saúde mental, durante as quais 34 por cento dos pacientes relatou ter enfrentado sintomas de trauma, enquanto 28 por cento apresentou sintomas relacionados com ansiedade”. “Transtornos depressivos e de ansiedade, bem como stress pós-traumático, são prevalentes em todas as faixas etárias, mesmo entre as crianças. As condições de habitabilidade precárias, os procedimentos administrativos complicados, o medo de deportação são as principais fontes diárias de stress que afetam a saúde mental das pessoas”, aponta a organização.