Rahul Gandhi, líder do Partido do Congresso, esforçou-se para congregar uma vasta aliança de partidos com vista a derrotar o Partido Nacionalista Hindu (BJP) do primeiro-ministro Narendra Modi e até imaginou um nome arrojado para a sua coligação de 26 forças políticas: INDIA, sigla de Indian National Developmental Inclusive Alliance. Mas depois de pesadas derrotas para Modi em 2014 e 2019, poucos apostam num triunfo de Gandhi nas eleições que começaram a 19 de abril e que vão ser realizadas em sete fases, com os resultados a serem divulgados a 4 de junho. Com mais de 1400 milhões de habitantes, a Índia ultrapassou no início do ano a China como país mais populoso do mundo, sendo que os eleitores serão uns 960 milhões.
“Para as eleições gerais indianas de 2024, todas as sondagens e até a vontade da maioria dos indianos indicam que o atual partido no poder – BJP – será o vencedor. Isto, visto que nos recentes resultados eleitorais em várias províncias indianas o BJP não surgiu apenas como um grande vencedor, mas também com uma maioria absoluta folgada. E quase todas as grandes províncias que vão eleger o maior número dos deputados para o Lok Sabha, a câmara baixa do parlamento indiano, são governadas pelo BJP, o que certamente é uma grande vantagem. Não esquecer também que atualmente nenhum outro partido tem um líder tão carismático como Narendra Modi. Esta equação de invencibilidade do BJP pôde fazer com que todos os partidos da oposição se unissem, esquecendo as suas divergências, o que não tem sido fácil, para tentar darem uma luta forte ao BJP”, analisa Shiv Singh, professor de Estudos Indianos na Universidade de Lisboa.
Tal como nas duas últimas eleições legislativas indianas, há uma espécie de duelo Modi-Ghandi, dois políticos de ideologias bem distintas, com o atual primeiro-ministro a ser associado com o nacionalismo hindu, e também pró-empresas, enquanto o líder da oposição é defensor do pluralismo indiano e o seu partido tradicionalmente é visto como muito estatizante. Também se pode dizer que são de gerações diferentes, pois Modi tem 73 anos e Gandhi 53, mas mais relevante são as origens sociais, pois o primeiro é filho de um vendedor de chá enquanto o segundo vem de uma dinastia política que ao longo de três gerações deu primeiros-ministros à Índia. Por isso a aura de sucesso em torno de Modi, que foi ministro-chefe do estado do Gujarate antes de ser chefe do governo em Nova Deli, que contrasta com a incapacidade de Gandhi de até agora ganhar eleições como fizeram o bisavô Jawaharlal Nehru, a avó Indira Gandhi e o pai Ravij Gandhi.
Depois dos bons resultados económicos à frente do Gujarate, Modi também conseguiu dar novo dinamismo à economia nacional durante a última década. Hoje a Índia é a quinta maior economia mundial, tendo até ultrapassado o Reino Unido, antiga potência colonial. Mas mesmo com o sucesso na farmacêutica ou na informática há ainda um longo caminho a percorrer para reduzir desigualdades, como sublinha Eugénio Viassa Monteiro, professor na AESE (Lisboa) e no IIM (Rothak): “O último Relatório da ONU dizia que 415 milhões de pessoas pobres tinham saído da pobreza na Índia. A ONU destacou que é uma conquista notável da Índia. De acordo com o relatório, citado pelo jornal The Hindu, as pessoas multidimensionalmente pobres e carentes no indicador de nutrição na Índia diminuíram de 44,3 por cento em 2005/2006 para 11,8 por cento em 2019/2021, e a mortalidade infantil caiu de 45 por mil para 15 por mil. Os pobres e privados de combustível para cozinhar caíram de 52,9 por cento para 13,9 por cento e os privados de saneamento caíram de 50,4 por cento em 2005/2006 para 11,3 por cento em 2019/2021, ainda segundo o relatório. No indicador de água potável, o percentual de pessoas multidimensionalmente pobres e carentes caiu de 16,4 para 2,7 no período, eletricidade (de 29 por cento para 2,1 por cento) e habitação de 44,9 por cento para 13,6 por cento”. Viassa Monteiro, também presidente da Associação de Amizade Portugal-Índia, acrescenta que “apesar de o país estar no bom caminho, a pobreza nas grandes cidades como Mumbai é visível e chocante, com centenas de pessoas a viverem na rua. Os bairros de lata ainda persistem nas grandes cidades e mesmo muitas casas de habitação de trabalhadores rurais são de muitíssima baixa qualidade. É um assunto que clama para a celeridade nas medidas na construção de casas de habitação económica em todo o país”.
Independente desde 1947, resultado de uma luta pacífica liderada por Nehru e pelo Mahatma Gandhi, a Índia viu ser-lhe amputados dois vastos territórios a oeste e leste para ser criado o Paquistão, pátria para os muçulmanos do subcontinente (o Paquistão Oriental tornar-se-ia em 1971 o Bangladesh). Mesmo assim, o pluralismo religioso manteve-se a regra na vasta população e hoje existem mais de 200 milhões de indianos que são muçulmanos, além de 30 milhões de cristãos, de 20 milhões de sikhs e uns oito milhões de budistas.
Durante o longo período de domínio político do Partido do Congresso, o ideal indiano era de unidade na diversidade, mas os nacionalistas hindus trouxeram para o centro da vida política a questão da hinduidade do país, pois 80 por cento da população segue o hinduísmo. Apesar de ser ainda chamada de a maior democracia do mundo, esta promoção da hinduidade tem prejudicado a imagem da Índia e encontra resistência mesmo em certas partes do país, sobretudo o sul, onde o partido de Modi tem dificuldade em impor-se. O próprio Modi nunca se libertou da suspeita de nada ter feito quando governava o Gujarate para impedir um massacre de muçulmanos numa das muitas lutas entre comunidades que por vezes acontecem. Gandhi procura capitalizar um princípio de descontentamento com Modi, mas mesmo com os seus aliados regionais muito dificilmente deverá conquistar os tais 272 assentos necessários para ter maioria no Lok Sabha.
Texto: Leonídio Paulo Ferreira, jornalista do DN