Iniciou-se a retirada das tropas da Missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral em Moçambique (SAMIM), que deve estar completa em julho, numa altura em que se verifica um recrudescer das ações de grupos de insurgentes em Cabo Delgado, no norte do país, e da sua expansão para a região vizinha de Nampula.
As primeiras tropas da SAMIM a retirarem-se de Moçambique foram as do Botsuana. O fim da missão militar, iniciada em 2021, no quadro dos países da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral para combater as ações terroristas em Cabo Delgado, está relacionada com dificuldades de financiamento do contingente de cerca de três mil soldados. Segundo a ministra moçambicana dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação, Verónica Macamo, “a SAMIM está a enfrentar alguns problemas financeiros” e Moçambique não tem condições para pagar por si os custos resultantes da manutenção das forças no terreno.
Segundo as Nações Unidas, os seis anos de conflito já provocaram quatro mil mortos e cerca de um milhão de refugiados, 80 mil dos quais só neste ano. O distrito de Macomia continua a ser considerado um dos mais fustigados pela guerra, que tem provocado a destruição de inúmeras infraestruturas, em particular escolas e serviços de saúde. Desde 2017 que a província de Cabo Delgado tem sido vítima das ações do grupo Ahlu Sunna wal Jamaa, associado ao grupo extremista do Estado Islâmico, comprometendo avultados investimentos internacionais que estavam em curso para a exploração de gás e de petróleo na região.
850 mil pessoas em risco de fome
Zenaida Machado, investigadora da Divisão de África da Human Rights Watch, num texto publicado pela revista Mundo Crítico, da Associação para a Cooperação entre os Povos (ACEP), salienta que o conflito em Cabo Delgado tem sido também alimentado quer pela tentativa de apagamento quer de esquecimento dos problemas da região. Antes dos ataques à cidade de Palma, em 2021, que colocaram definitivamente Cabo Delgado na agenda internacional, já havia relatos consistentes sobre o problema. Nessa altura, o governo moçambicano evitou que a comunicação social desse uma grande cobertura sobre os acontecimentos, impedindo os jornalistas de irem ao local ou mesmo perseguindo-os.
Agora, três anos decorridos sobre os acontecimentos de Palma, as notícias internacionais parecem limitar-se aos investimentos internacionais e às operações militares. Para segundo plano fica a dimensão humanitária do conflito, como a insegurança alimentar resultante do abandono dos campos agrícolas, a destruição de escolas e centros de saúde, assim como a assistência às populações diretamente afetadas pela guerra.
As Nações Unidas referem que a ajuda internacional às populações tem sido insuficiente e põe em risco de fome 850 mil pessoas, em particular mulheres e crianças. Vários analistas moçambicanos consideram que estes problemas são agravados pelo facto de o governo privilegiar uma intervenção autoritária e militar na região, sem ouvir a população na resolução dos seus problemas.
Texto: Carlos Camponez