Registou-se um “aumento dramático” de 50 por cento de casos de violência sexual em conflitos em 2023 em relação ao ano anterior, alertou Pramila Patten, representante especial do secretário-geral para a violência sexual em conflitos, ao apresentar o seu relatório anual sobre o tema, no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), na última semana.
A ONU verificou mais de 3,6 mil casos de violência sexual durante guerras em 2023. O relatório faz referência a ocorrências em 21 zonas de guerra, incluindo Israel, Gaza, Sudão, Ucrânia, Haiti, Mianmar e República Democrática do Congo. Cerca de 95 por cento dos casos envolveram mulheres e meninas. Em 32 por cento das situações, as vítimas foram crianças. Foram também registados 21 casos contra lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer e intersexuais.
Segundo Pramila Patten, a subida de casos é particularmente alarmante num contexto onde o acesso humanitário é restrito e limitado, sendo que o relatório não reflete a prevalência daquilo que é um crime “cronicamente subnotificado e historicamente oculto”. A especialista citada pela ONU afirma que por cada sobrevivente que se expõe, “muitos outros são silenciados pelas pressões sociais, pelo estigma, pela insegurança, pela escassez de serviços e pelas perspetivas limitadas de justiça”.
Pramila Patten e a sua esquipa estiveram de visita a Israel e aos territórios palestinianos ocupados, e confirmaram que existem fundamentos para acreditar que a violência sexual ocorreu em pelo menos três locais e foi cometida contra indivíduos mantidos como reféns, podendo estar ainda a ocorrer. Na Cisjordânia ocupada, a responsável visitou prisões israelitas, onde se encontram mulheres e homens palestinianos. Informações verificadas pela ONU, na sequência dos ataques de outubro cometidos pelo Hamas contra Israel, mostraram que houve casos continuados de maus-tratos, incluindo formas de violência sexual. Pramila Patten afirma que alegações semelhantes surgiram em Gaza.
O relatório mostra também como a violência sexual limitou o acesso de mulheres a formas de subsistência e o ingresso das meninas na setor da educação, num cenário global que envolve níveis recorde de deslocação de pessoas. Na apresentação do relatório, Pramila Patten fez também referência ao leste da República Democrática do Congo, país onde a insegurança física e alimentar levou muitas mulheres e meninas deslocadas à prostituição “por puro desespero económico”. Pramila Patten afirmou ainda que “a violência sexual perpetrada com impunidade continua a ser lucrativa na economia política da guerra”. No Haiti, por exemplo, os grupos armados continuam a gerar receitas e a utilizar a ameaça de violência sexual para extorquir resgates ainda mais elevados.