A Amnistia Internacional (AI) divulgou na madrugada desta quarta-feira, 29 de maio, o seu relatório anual sobre a aplicação da pena de morte a nível mundial, que mostra que em 2023 “ocorreram 1.153 execuções, o que representa um aumento de mais de 30 por cento em relação a 2022”, sendo que “este valor não tem em conta os milhares de execuções que se crê terem sido realizados na China”. Este “foi o valor mais alto registado” pela organização “desde 2015, ano em que houve 1.634 pessoas executadas”.
Apesar deste aumento, a organização destaca, em nota enviada à imprensa, que o “número de países que recorreram a execuções atingiu o valor mais baixo alguma vez registado” pela organização, “o que revela um avanço”. E realça que atualmente, “112 países são plenamente abolicionistas e 144 no total aboliram a pena de morte na lei ou na prática”. Foram registadas “execuções em 16 países, o número mais baixo” de sempre verificado pela Amnistia Internacional.
No último ano, não foram contabilizadas execuções na Bielorrússia, Japão, Myanmar e Sudão do Sul, países que tinham realizado execuções em 2022. O Paquistão eliminou a pena de morte para crimes relacionados com drogas, e a “pena de morte obrigatória foi abolida na Malásia”. Segundo as autoridades do Sri Lanka, o presidente do país “não tencionava assinar mandados de execução, o que atenuou os receios de que as execuções fossem retomadas”. Na África Subsariana, nenhum país aboliu a pena de morte, mas existem pendentes projetos de lei de abolição da pena capital no Quénia, Libéria e Zimbabué. No Gana, o parlamento do país “votou a favor de dois projetos de lei que eliminavam a pena de morte da legislação em vigor, mas, até ao final de 2023, os projetos ainda não tinham sido convertidos em lei”.
O relatório mostra que os cinco países com o maior número de execuções em 2023 foram a China, Irão, Arábia Saudita, Somália e Estados Unidos das América (EUA), sendo que “só o Irão foi responsável por 74 por cento de todas as execuções registadas, enquanto a Arábia Saudita foi responsável por 15 por cento”. Países como a Somália e os EUA “viram crescer a prática de execuções no seu território em 2023”. Foi verificado “um aumento de 20 por cento no número de sentenças de morte decretadas globalmente em 2023, que somaram um total de 2.428”.
Minorias, menores e mulheres executadas no Irão
De acordo com Agnès Callamard, secretária geral da Amnistia Internacional, “o grande aumento do número de execuções registadas” deve-se, sobretudo, ao Irão. “As autoridades iranianas mostraram um total desrespeito pela vida humana e fizeram crescer as execuções por delitos relacionados com a droga, o que realça ainda mais o impacto discriminatório da pena de morte nas comunidades mais marginalizadas e empobrecidas do Irão”, disse a responsável, salientando que “apesar dos retrocessos” verificados, sobretudo, no Médio Oriente, os “países que continuam a praticar execuções estão cada vez mais isolados”. “A nossa campanha contra esta punição abominável tem funcionado. Vamos continuar até acabarmos com a pena de morte”, afirmou.
Segundo a Amnistia Internacional, as autoridades do Irão “intensificaram o recurso à pena de morte para incutir o medo na população e reforçar o seu poder, aplicando execuções em todo o país”. Foram “executadas pelo menos 853 pessoas, o que representa um aumento de 48 por cento em relação às 576 pessoas de 2022”. As execuções “afetaram de forma desproporcionada a minoria étnica Baluchi, que correspondeu a 20 por cento dessas execuções registadas, apesar de os Baluchis constituírem apenas cerca de cinco por cento da população iraniana”. Foram executadas “pelo menos 24 mulheres e pelo menos cinco pessoas que eram menores na altura do crime”.
Retrocessos nos EUA e na África Subsariana
A Amnistia considera que os progressos registados nos Estados Unidos da América não foram suficientes, uma vez que as execuções “aumentaram de 18 para 24”. Agnès Callamard afirma que um “número restrito de Estados norte-americanos demonstrou um compromisso assustador para com a pena de morte e uma intenção cruel de investir recursos na eliminação de vidas humanas”, com as execuções através do “novo método cruel de asfixia por azoto” a entrarem em uso, com “o Alabama a utilizar vergonhosamente este método não-testado para matar Kenneth Smith no início deste ano, apenas 14 meses depois de o ter submetido a uma tentativa de execução falhada”. A secretária-geral da Amnistia Internacional afirma que “o presidente Biden tem de parar com o adiamento da sua promessa de abolir a pena de morte federal”. Na África Subsariana também há retrocessos a registar, uma vez que as “sentenças de morte registadas e as execuções aumentaram nesta região”.
Segredo de Estado trava informação
O relatório da Amnistia “não inclui os valores referentes aos milhares de pessoas que se acredita terem sido executadas na China, que continua a ser o principal país executor do mundo”, uma vez que o assunto é segredo de Estado naquele país. Da mesma forma, também não há “números relativos à Coreia do Norte e ao Vietname, países que se crê recorrerem extensivamente a execuções”. Agnès Callamard afirma que a Amnistia Internacional “apela a todos os governos para que apoiem o apelo da ONU para acabar com a pena de morte, numa demonstração vital de compromisso com os direitos humanos”.